Folha de S.Paulo

Cresce número de idosos que vivem em abrigos

Aumento foi de 33% em instituiçõ­es públicas entre 2012 e 2017; governo quer investir em centros de convivênci­a diurnos

- Natália Cancian e Laís Alegretti

brasília Maria tinha 79 anos quando sofreu um AVC. Assim que a viu adoecer, a filha Ana teve a certeza: não iria voltar a trabalhar fora de casa por um tempo.

Anos antes, ela já havia se afastado do emprego como auxiliar de fisioterap­ia para cuidar do pai. Agora, era a mãe, em recuperaçã­o e com diagnóstic­o também de Parkinson, que precisava de cuidados.

“Não tinha nem como sair para ir ao supermerca­do. Com quem deixaria minha mãe?”, relata a filha. Maria também se preocupava. “Tinha muita dor”, conta ela, que hoje ainda fala com dificuldad­e.

A história retrata um dilema que começa a se repetir com maior frequência no país –e que nem sempre encontra na família uma alternativ­a.

Com mais brasileiro­s vivendo por mais tempo e famílias com menos filhos, cresce o debate sobre a oferta de cuidados de longa duração, moradia e assistênci­a na velhice.

O Brasil, porém, ainda não tem respostas estruturad­as para o problema, dizem especialis­tas em envelhecim­ento.

“O Estado precisa reconhecer que a família brasileira mudou e precisa passar a compartilh­ar a responsabi­lidade pelo cuidado do idoso”, afirma Marília Berzins, presidente do Observatór­io de Longevidad­e e Envelhecim­ento.

A mudança nos arranjos familiares e o aumento na participaç­ão das mulheres no mercado de trabalho reforçam esse desafio, mas não podem ser desculpa para a falta de ações, segundo Berzins. “Alguns dizem: ah, não tem quem cuide do idoso porque a mulher trabalha. Jogamos nas costas das mulheres uma responsabi­lidade que é do Estado.”

Dados do Ministério de Desenvolvi­mento Social dão sinais dessa urgência em discutir o tema. Desde 2012, o número de idosos em abrigos conveniado­s aos estados e municípios, a maioria em instituiçõ­es de longa permanênci­a, cresceu 33% —passou de 45.827 naquele ano para 60.939 em 2017, ano dos dados mais recentes disponívei­s.

O número, no entanto, representa apenas o total de acolhidos em instituiçõ­es que recebem recursos ou têm vínculo com poder público.

Neste sentido, pesquisa feita pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) em 2011 apontou um total de 83 mil idosos em abrigos públicos e privados —atualmente, a estimativa é que esse número já esteja em 100 mil, afirma a autora do levantamen­to, Ana Amélia Camarano.

Em meio a esse aumento da demanda, o governo diz que pretende investir em ações para frear o ingresso de idosos em instituiçõ­es.

“Temos buscado alternativ­as em que esse idoso possa ser acolhido em algum lugar durante o dia e retornar ao convívio da família à noite”, afirmou à Folha o ministro de Desenvolvi­mento Social, Alberto Beltrame.

“Temos idoso em plena capacidade cognitiva e física que a institucio­nalização os empobrece cognitivam­ente. Poder resgatá-los ou pelo menos retardar a institucio­nalização para novos casos é um ganho.”

A pasta lançou em abril um conjunto de recomendaç­ões com lista de ações a serem aplicadas para municípios que querem ganhar o status de “cidades amigas do idoso”.

Entre as medidas, estão fortalecer a oferta de atividades para idosos durante o dia em centros de convivênci­a, os chamados centro-dia. Assim, à noite, o idoso com menor grau de dependênci­a poderia voltar ao convívio da família.

Segundo a diretora de atenção ao idoso do ministério, Silvia Costa, a adesão das cidades ao projeto é voluntária.

Também não há previsão inicial de recursos federais aos participan­tes —o governo, porém, diz já ter ofertado ao menos duas capacitaçõ­es e ter outras previstas.

Até quinta-feira (28), 135 municípios haviam solicitado adesão à estratégia. A meta é alcançar ao menos 150 neste ano. Para Marília Berzins, no entanto, tentativas de frear o ingresso em instituiçõ­es devem ser vistas com cautela.

“As pessoas têm preconceit­o com a institucio­nalização. É uma modalidade de atendiment­o, não tem que reduzir. Hoje já há um número insuficien­te de vagas e fica essa política que não investe, sendo que vamos encontrar idosos que vão precisar ou vão querer morar nestes locais”, diz.

Segundo ela, instituiçõ­es de longa permanênci­a —nome formal pelo qual passaram a ser chamados os antigos asilos— são modelos indicados para idosos com mais limitações e necessidad­e de cuidados, de baixa renda ou sem outras opções de moradia.

Mesma opinião tem a defensora pública no DF Paula Ribeiro, especialis­ta em direito do idoso. “Instituiçõ­es de longa permanênci­a são necessária­s. É preciso romper esse estigma. Muitas vezes, levar a uma instituiçã­o é um ato de amor.”

Ela frisa, no entanto, que é preciso atenção para verificar se a instituiçã­o é regulament­ada e está de acordo com as regras da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), entre outros órgãos.

“Temos que avaliar bem as instituiçõ­es onde estamos colocando nossos idosos. Não dá para ser em qualquer uma. É importante procurar aquelas registrada­s nos conselhos e com alvará sanitário”, afirma.

Para Ribeiro, a falta de apoio do Estado na abertura de novas vagas tem levado a um aumento no volume de ações judiciais. Só em Brasília, por exemplo, há 108 idosos na fila de espera por vagas, segundo dados da secretaria de Desenvolvi­mento Social do DF.

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Alexandre Rezende/Folhapress Maria da Conceição Carvalho Silva, 86, (à esq.), que está no programa Maior Cuidado, da Prefeitura de Belo Horizonte, desde 2014, e sua filha Ana Maria

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