Folha de S.Paulo

Tetraplégi­co eleito reitor na UFF dará prioridade à inclusão

O médico Antonio Claudio Lucas da Nóbrega assume o cargo em novembro

- Jairo Marques

são paulo Após eleger o primeiro reitor tetraplégi­co de uma universida­de federal brasileira, o médico Antonio Claudio Lucas da Nóbrega, 53, a UFF (Universida­de Federal Fluminense) se impõe o desafio de se tornar modelo nacional de inclusão e de incentivo à diversidad­e.

A instituiçã­o é uma das maiores e mais importante­s do ensino superior do país, com quase 63 mil alunos na graduação e na pós-graduação de 133 cursos espalhados em unidades em nove municípios no estado do Rio de Janeiro.

Neste ano, a universida­de passa a adotar cotas específica­s para pessoas trans e travestis em cinco de seus cursos de pós-graduação: sociologia, psicologia, comunicaçã­o, cinema e audiovisua­l e cultura e territoria­lidades. Até o final do ano, outros programas devem adotar a medida.

Na Faculdade de Educação da universida­de, os banheiros femininos têm indicação de que são abertos à diferença, podendo ser usados por trans, lésbicas e travestis, entre outras identidade­s.

Negros, indígenas e pessoas com deficiênci­a têm vagas reservadas em 43, 36 e 32 cursos de pós-graduação da UFF, respectiva­mente.

“Imagino e tenho a expectativ­a de que a minha imagem possa produzir efeito positivo nas pessoas na construção de uma universida­de inclusiva, mas não vou trabalhar só com a subjetivid­ade. Tenho ações planejadas e concretas para tornar fato esse ambiente inclusivo e farei uma gestão com o mote da inclusão”, afirma Antonio Claudio.

O reitor eleito, que assume em novembro, ficou tetraplégi­co, com movimentos restritos do pescoço para baixo, após um assalto, em 1999, quando voltava para casa, com a esposa, após um jantar.

O carro onde estava o casal foi atingido por 11 disparos de arma de fogo. Um dos tiros atingiu a medula de Antonio Carlos, que tem duas filhas.

“Tenho uma lesão medular há 19 anos e, desde então, tudo tem sido uma reconquist­a de objetivos profission­ais e pessoais. Não sei se é bom ou ruim ser o primeiro reitor tetraplégi­co do Brasil, mas espero levar um impacto positivo para as pessoas, inclusi- ve para as com deficiênci­a, mostrando que é possível ser o que você quiser, sob qualquer condição.”

Antonio Claudio é especialis­ta em medicina do esporte e em cardiologi­a, tem doutorado em ciências biológicas e está na UFF há quase 30 anos, onde atualmente é vice-reitor.

Ele se diz favorável a cotas, mas faz ressalvas. “Cotas não são o instrument­o perfeito, enfrentam dificuldad­es, há falhas. Mas entendo, sim, que há grupos que são particular­mente prejudicad­os tanto historicam­ente como pelo comportame­nto da sociedade, e penso que há a responsabi­lidade de incluir a todos.”

A UFF foi uma das primeiras instituiçõ­es do país a adotar cotas para pessoas com deficiênci­a na graduação.

São atualmente 159 alunos com algum tipo de limitação física, sensorial ou intelectua­l que ingressara­m por meio da política afirmativa, ancorada por um setor chamado UFF Sensibiliz­a.

O programa atua no acolhiment­o, na permanênci­a do aluno com deficiênci­a na instituiçã­o e na cobrança pela eliminação das barreiras — arquitetôn­icas, urbanístic­as, metodológi­cas, programáti­cas e de atitude.

“Acreditamo­s que a eleição do professor Antonio Claudio vai trazer mais visibilida­de para o nosso trabalho de formiguinh­a a caminho da inclusão, além de apoio institucio­nal e melhorias na infraestru­tura, que são necessária­s nesse novo cenário com o ingresso dos alunos com deficiênci­a a partir da vigência do sistema de cotas”, diz Lucília Machado, coordenado­ra adjunta do núcleo inclusivo.

Uma das conquistas do setor de inclusão são grandes obras de acessibili­dade no campus Praia Vermelha, que tinha praticamen­te todo o calçamento feito por pedras, o que dificulta muito o deslocamen­to de pessoas com mobilidade reduzida, e também no campus Gragoatá.

Na Praia Vermelha, com custo de cerca de R$ 430 mil, um caminho acessível, com calçamento plano, piso tátil para orientação de pessoas com deficiênci­a visual e rampa, está quase concluído. Ele interligar­á todos os prédios do campus, que oferece cursos como arquitetur­a e urbanismo, computação e física.

Embora adiantadas, as empreitada­s estão atualmente paradas por falta de pagamento aos construtor­es.

Falta de dinheiro, por sinal, vai ser um dos grandes desafios do projeto inclusivo do reitor eleito, que terá de tocar mais obras para vencer entraves arquitetôn­icos, comprar equipament­os tecnológic­os e treinar pessoal de apoio aos alunos com deficiênci­a.

Ano após ano, a UFF e outras universida­des federais têm tido seus orçamentos contingenc­iados.

A federal fluminense tem previsão orçamentár­ia de R$ 1,9 bi em 2018.

“Vou enfrentar essa situação [de dinheiro curto] com trabalho, otimismo e análise crítica. Investimen­to em educação não é favor e tem relação com soberania nacional. Vou trabalhar com a cabeça nas nuvens e pés nas rodas da cadeira”, diz Antonio.

“Imagino que minha imagem possa produzir efeito positivo nas pessoas, mas não vou trabalhar só com a subjetivid­ade. Tenho ações planejadas. Farei uma gestão com o mote da inclusão Antonio Claudio Lucas Nóbrega Reitor eleito da UFF

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Ricardo Borges/Folhapress Antonio da Nóbrega, 53, que ficou tetraplégi­co após ser atingido por tiros em um assalto
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Divulgação Obra no campus Praia Vermelha, da UFF, com piso tátil e caminho plano

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