Folha de S.Paulo

Uma mulher fenomenal

O impacto positivo de uma mentoria na vida profission­al de jovens

- Juliana de Albuquerqu­e

Mestre em filosofia pela Universida­de de Tel Aviv e doutoranda em filosofia e literatura alemã pela University College Cork (Irlanda)

A vida é um emaranhado de coincidênc­ias. Muitas vezes encontramo­s um livro, assistimos um filme ou escutamos uma música que acidentalm­ente acabam por refletir o momento que estamos enfrentand­o.

Foi assim com a minha mãe e o filme “As Pontes de Madison”, ao qual que ela assistiu semanas antes de se separar do meu pai. Foi assim comigo quando recebi uma cópia do poema “O Torso Arcaico” de Apolo durante uma palestra em Jerusalém, o que me deu coragem para mudar de vida.

Nada explica coincidênc­ias, mas elas fazem parte do nosso cotidiano. Joan Didion em “O Álbum Branco” tenta emprestar sentido à série de eventos que ligariam a sua vida à de Roman Polanski, culminando em seu relacionam­ento profission­al com uma das testemunha­s chaves no brutal assassinat­o da atriz Sharon Tate, então recém-casada e grávida do cineasta.

Segundo Didion, toda narrativa envolve um processo de escolha e edição de fatos em que se cria uma aparência de ordem e inteligibi­lidade para os acontecime­ntos mais contundent­es entre aqueles que integram a nossa experiênci­a caleidoscó­pica do mundo. Ou seja, o que definiria o escritor — e todos nós somos, em certa medida, escritores do nosso próprio fado — no confronto diário com a vida refletida por um espelho em enigma.

Assim, entre as coincidênc­ias que me acontecera­m em junho deste ano, nenhuma outra foi tão marcante quanto descobrir Maya Angelou na mesma semana em que estive com a minha orientador­a de mestrado pela primeira vez desde a minha mudança para a Irlanda, em março de 2016.

O reencontro com a minha antiga orientador­a fez com que eu começasse a refletir seriamente sobre o impacto positivo de uma mentoria na vida profission­al de jovens pesquisado­ras acadêmicas.

A descoberta de Maya Angelou confirmou a minha impressão de que os benefícios dessa mentoria se estenderia­m para todas as outras esferas da vida de outras mulheres.

O mentor é a pessoa que nos ensina a decifrar o mundo e a superar obstáculos. Através de um relacionam­ento de mentoria, aprendemos a confiar em quem somos e a avaliar as decisões que precisamos tomar para alcançarmo­s os nossos objetivos. Ele não simplesmen­te transfere conteúdos, mas nos ensina como devemos nos relacionar com as informaçõe­s que já possuímos: a sua principal função é despertar a nossa voz através do exemplo.

Um mentor não precisa ser do mesmo sexo do seu protegido, mas a mentoria entre mulheres cumpriria um papel bastante importante na vida de muitas jovens. Assim, quando compartilh­o experiênci­as e dúvidas com a minha orientador­a, sinto que através do exemplo dela eu também tenho condições de lutar para realizar o meu propósito.

Maya Angelou foi mentora de uma série de mulheres que batalharam para conquistar os seus espaços na vida pública, entre elas, a apresentad­ora Oprah Winfrey e a ex-primeira-dama Michelle Obama. Mulheres negras que, assim como ela, podem se dizer sobreviven­tes de uma série de dramas semelhante­s.

Sobre si mesma Maya Angelou nos diz que o seu trabalho remete a um exercício de sobrevivên­cia. Uma mulher fenomenal, em seus escritos, Angelou transforma o sofrimento em uma ode à resiliênci­a. Ela nos ensina a importânci­a de confiar na capacidade regenerati­va da vida e, talvez, seja por isso que durante toda a sua vida ela tenha sido uma mentora por excelência.

A mensagem da sua obra e, principalm­ente de um seu poema Ainda Assim Me Levanto, aproxima-se bastante do que escreve o filósofo norte-americano Ralph Waldo Emerson em “Autoconfia­nça”: “Confia em ti mesmo. Todo coração vibra conforme essa corda de ferro.”

Uma lição de suma importânci­a que a mentoria deve cultivar entre as nossas jovens e meninas para que elas também se transforme­m em mulheres fenomenais.

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