Folha de S.Paulo

‘O país está matando nossas crianças’, diz mãe de Marcos, 14, morto na Maré

Bruna da Silva, 36, culpa Estado e diz que uniforme com sangue é ‘marca da vergonha do Brasil’

- Carolina Moura e Lucas Vettorazzo Thiago Dezan/Farpa/Folhapress

rio de janeiro “O Brasil vai ser um país de velhos, porque estão matando as nossas crianças.” O diagnóstic­o sombrio é da empregada doméstica Bruna da Silva, 36, que teve o filho de 14 anos morto por um tiro no último dia 20 na favela da Maré, zona norte do Rio.

Marcos Vinícius da Silva ia uniformiza­do para a escola quando foi baleado na barriga. Ele chegou a ser socorrido, mas morreu horas mais tarde. A polícia ainda não descobriu de onde partiu o tiro.

Em entrevista à Folha ,a mãe responsabi­liza o Estado pela morte de seu filho.

Policiais civis faziam operação no início da manhã para cumprir 23 mandados de prisão quando o jovem foi atingido. Outras seis pessoas foram mortas, todas suspeitas de envolvimen­to com o tráfico de drogas, segundo a polícia.

Antes de morrer, Marcos contou para a mãe que o tiro teria sido disparado de um blindado da polícia. Segundo ela, o menino questionou se os agentes não tinham visto que ele estava de uniforme.

A camisa branca com a mancha de sangue, já desbotada sobre a faixa azul do uniforme escolar da rede municipal do Rio, virou o símbolo da luta que Bruna trava por justiça.

“Enquanto o Brasil comemora a Copa do Mundo, a minha bandeira é essa”, diz ela, com o uniforme na mão. Marcos queria descolorir o cabelo como o do jogador Neymar para assistir aos jogos da Copa. A mãe prometera atender ao pedido, mas não teve tempo. O garoto foi atingido dois dias antes de o Brasil vencer a Costa Rica por 2 a 0, no dia 22.

“É daqui que eu vou tirar a força”, diz, mostrando a camisa. A mancha para ela é “a marca da vergonha do Brasil”. “Esse aqui é meu símbolo de resistênci­a contra esse Estado que mata os nossos filhos”.

Marcos Vinícius é descrito pela mãe como um menino carinhoso e querido na comunidade. Também era sério e, apesar da idade, diz ela, era “muito sujeito homem”.

“Ele ria só entre os coleguinha­s, não dava mole na comunidade e andava certo”, diz ela, que mora num conjunto de favelas com 130 mil habitantes, disputadas por duas facções do tráfico e uma milícia.

Além da perda, a família teve que suportar uma torrente de notícias falsas, que buscavam ligar o jovem ao crime organizado da região, como forma de justificar sua morte.

Fotos montadas com o rosto do menino segurando uma arma circularam pelas redes até a Justiça do Rio determinar a retirada do conteúdo falso do ar. Ao UOL, a Polícia Civil confirmou que Marcos não tinha antecedent­es criminais.

Em um apartament­o de um cômodo, de pouco mais de 20 m² e tijolos aparentes, a mãe mostrou onde a família de quatro pessoas dormia.

O menino gostava do sofá no canto do cômodo, onde batia mais vento. A irmã, Maria Vitória da Silva, 12, dormia na única cama. Entre os dois, em um colchonete no chão, dormiam o pai e a mãe. Foi ali que Marcos se despediu antes de ir para a escola, no último beijo que deu em sua mãe.

“A presença dele tá forte aqui”, diz ela. “Eu ainda acho que vou vê-lo chegando, afastando o pano e dizendo: ‘mãe, cheguei. Já entrei pra dormir’”.

A mãe diz que, com a intervençã­o federal no Rio, em fevereiro, proibiu o filho de sair sozinho da favela com medo de que ele pudesse ser confundido com criminoso. “Porque lá fora [da favela], de menor, a gente tinha esse cuidado. Aí aconteceu aqui dentro, na comunidade em que ele se sentia seguro”.

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Bruna da Silva, 36, em sua casa

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