Folha de S.Paulo

Agora sóbria, Florence não inova, mas traz confissões que são bem humanas

Em seu quarto álbum, cantora inglesa exibe rock orquestral para as massas e alguma contenção

- Adriana Küchler Kathy Lo/The New York Times

Há muito virou clichê chamar a figura da cantora Florence Welch e o som de sua banda, Florence + The Machine, de etéreo. Quando explodiu no mundo indie com “Dog Days Are Over”, quase dez anos atrás, era mesmo difícil classifica­r aquela ruiva esguia.

O vozeirão capaz de produzir graves e agudos, berros e sussurros, com uma facilidade impression­ante e a presença descalça e saltitante capaz de conduzir multidões, como já fez aqui tanto no Rock in Rio quanto no Lollapaloo­za, pareciam não se encaixar em nenhum adjetivo mundano. Mas, com o tempo, o que era especial quase virou banal.

Por isso, a chegada mais de mansinho (para os padrões florencian­os) do quarto álbum da inglesa, “High as Hope”, é bem-vinda. Nele, a cantora mantém a habilidade de traduzir sentimento­s em canções e vice-versa, mas abre mão de superprodu­tores, que ajudaram a levar seu último disco, “How Big, How Blue, How Beautiful” (2015) ao topo das paradas de vários países.

Em vez disso, se arrisca pela primeira vez na coprodução, ao lado de Emile Haynie, famoso pelo trabalho com Lana Del Rey.

Florence segue com a cabeça nas nuvens, mas os pés parecem mais próximos do chão. Se está lá o rock orquestral para as massas que a fez angariar uma multidão de fãs que acreditam na música como forma de terapia (ou, pelo menos, de catarse), também estão uma leve contenção e algumas confissões bem humanas.

Em “Hunger”, que segue o modelo grandioso de hits anteriores, por exemplo, ela fala pela primeira vez da de- sordem alimentar que teve na adolescênc­ia. Usa a fome, é claro, para falar de um vazio maior.

Assim como em “Big God”, que tem a presença ilustre do saxofonist­a Kamasi Washington. Enquanto parece escrever sobre um Deus que precisa ser grande o suficiente para tapar um buraco enorme, ela está é pintando transcendê­ncia no mundano. Trata de um fenômeno bem mais terreno —e atual— o “ghosting”, quando alguém para de responder suas mensagens e desaparece.

Apesar de mais suave nos excessos, a maioria das músicas do disco segue uma fórmula -o que o torna um pouco cansativo com o passar das faixas.

Abrem como se fossem baladinhas. Florence surge escoltada por um ou poucos instrument­os. E, então, o que era calmo se torna rápido, o que era suave, intenso. Com o passar dos minutos, eles vão ganhando a companhia de piano, cordas, sopros, tambores tribais ou palmas que se revezam ou acumulam no objetivo de garantir grandiosid­ade à canção.

E há, obviamente, o infalível coro que multiplica a voz de Florence em muitas (no disco e nos estádios) e transforma as músicas em quase hinos religiosos. Não é à toa que a faixa final ganha o título de “No Choir”, por, que surpresa, não ter a presença de um.

“June”, “The End of Love” e “Grace” funcionam bem seguindo a cartilha. Já “Sky Full of Song” se destaca como provavelme­nte a melhor música do disco por destoar um pouco das regras. Consegue ser imponente com moderação. E parece refletir o amadurecim­ento da cantora. Na letra, ela se diz cansada de voar e pede que a derrubem. O chão, em oposição ao céu, não parece um lugar tão ruim.

Acostumada a compor bêbada ou de ressaca, a ex-baladeira Florence já afirmou que esse é o seu primeiro disco sóbria. O novo estado não trouxe inovação, mas, para os fãs da cantora, isso não vai fazer a mínima diferença.

Se “High as Hope” não traz um hino desses de fazer cantar e dançar gerações, como “Dog Days Are Over” ou “Shake it Out”, reúne musicas que conseguem suspender a descrença -nem que pelos quatro minutos da canção.

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A cantora Florence Welch, do Florence + The Machine, em Manhattan

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