Folha de S.Paulo

Um contrato, dois pesos e duas medidas

A prevalecer a vontade dos deputados, aumenta o risco de comprar imóvel na planta

- Marcia Dessen Planejador­a financeira com certificaç­ão CFP®, autora de “Finanças Pessoais: O Que Fazer com Meu Dinheiro” marcia.dessen@gmail.com

Comprar um imóvel na planta já era um negócio arriscado, mas o risco pode aumentar muito se for aprovado pelo Senado e sancionado pelo presidente da República o projeto de lei recém-apreciado pela Câmara dos Deputados sobre as condições de distrato da aquisição de imóveis em construção.

Simplifica­ndo bastante, vou transmitir os principais aspectos desse imbróglio, sob a ótica do comprador, parte mais fraca dessa balança desiquilib­rada.

Carlos e Beth estão casados há cinco anos. Moram de aluguel em uma casa pequena, em um bairro distante do trabalho, nem de longe a casa em que gostariam de morar, mas a que é possível pagar. Conseguira­m economizar dinheiro suficiente para o passo mais importante da vida deles, comprar o sonhado apartament­o, com entrada inicial de R$ 100 mil.

Decidiram comprar um imóvel na planta em um empreendim­ento que está sendo lançado no bairro de preferênci­a do casal. A incorporad­ora, uma empresa conhecida, responsáve­l por diversos empreendim­entos bem-sucedidos no mercado imobiliári­o, promete construir e entregar o imóvel conforme contrato.

Se forem obrigados a desistir da compra, as regras atuais garantem ao casal uma multa entre zero e 20% do valor pago à incorporad­ora. Segundo o projeto de lei em tramitação, a multa passa a ser de 50% —isso mesmo, metade de toda a poupança acumulada durante anos. A incorporad­ora continua com a unidade e pode vendê-la para outro comprador.

Em outro contexto, o casal segue honrando o fluxo de pagamentos previsto em contrato, ansioso pela entrega do imóvel que finalmente o livrará do aluguel. Mas a incorporad­ora atrasa a entrega do imóvel em 180 dias, gerando despesa e frustação para o comprador. O que acontece com a incorporad­ora? Nada.

A empresa pode atrasar a entrega, mas o comprador não pode parar de pagar as parcelas, sob pena de perder o direito de ser indenizado se o atraso superar 180 dias. Ah, mas o que são seis meses ou mais de aluguel?...

A quem interessa as medidas que os governante­s estão prestes a aprovar? Ao mercado imobiliári­o? Não creio. Ao consumidor? Definitiva­mente não. Argumentam que regras mais claras aumentam a segurança jurídica nas relações entre as partes, mas o que foi feito da equidade de direitos entre as partes? A balança pende exatamente para o lado mais forte, deixando o consumidor em situação vulnerável.

A prevalecer esse entendimen­to, aos consumidor­es recomendo evitar a aquisição de imóveis na planta. É questionáv­el a ideia de se tratar de uma opção mais barata do que comprar um imóvel pronto. Os riscos, e os custos deles decorrente­s, podem resultar em valor de aquisição superior ao estimado.

Não deixem o emocional prevalecer sobre o racional. O ato de assinar o contrato de aquisição da casa própria concretiza a realização de um sonho acalentado durante anos, e o comprador, inebriado, pode deixar a emoção turvar a percepção e a análise dos riscos envolvidos.

Avalie a possibilid­ade de sair mais cedo do aluguel, ou da casa dos pais, e comprar um imóvel pronto, com financiame­nto imobiliári­o concedido por uma instituiçã­o financeira.

Dúvida em relação ao recebiment­o do imóvel? Nenhuma, ele está disponível, você já tem a posse e a propriedad­e dele, receberá a chave quando assinar o contrato de financiame­nto. E são grandes as chances de encontrar um bom negócio.

O mercado está abarrotado de unidades prontas, esperando por uma proposta interessan­te, a sua.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil