Folha de S.Paulo

França suspende pagamento a fornecedor­es

Governador de SP cancelou recursos para quitar contratos em aberto de anos anteriores; valor pode chegar a R$ 1 bi

- Gabriela Sá Pessoa

O governador de São Paulo, Márcio França (PSB), cancelou pagamentos de dívidas com fornecedor­es do estado anteriores a 2018. O decreto, inédito no governo estadual, foi publicado no Diário Oficial de 22 de junho.

O pessebista suspendeu a transferên­cia de recursos para contratos em aberto, mesmo de obras e serviços entregues. Ficam de fora da nova regra verbas comprometi­das para saúde, educação e na Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).

O estado tinha R$ 3 bilhões de restos a pagar —como são chamadas despesas que viram o ano fiscal—, segundo relatório mais recente de execução orçamentár­ia da Secretaria da Fazenda, de abril.

A medida afeta fornecedor­es que já concluíram serviços ou obras orçados em anos anteriores e que, por alguma razão, não foram quitados pelo governo. Para receber, esses credores, agora, precisarão recorrer à Justiça.

O decreto pode afetar cerca de R$ 1 bilhão em faturas em aberto, segundo dados da Fazenda tabulados pela Agesp (Associação dos Gestores Públicos do Estado de São Paulo), que representa analistas de planejamen­to, orçamento e finanças. O valor exclui gastos em saúde e educação.

O Palácio dos Bandeirant­es afirma que a medida visa atender orientaçõe­s dos tribunais de contas sobre o princípio da anualidade: as receitas e as despesas devem ser previstas com base em planos e programas com duração de um ano. “A recomendaç­ão é reduzir os restos a pagar”, diz o governo. “A medida não traz possibilid­ade de prejuízo a nenhum fornecedor e nenhuma despesa. Todas despesas e notas comprovada­s serão pagas.”

A Agesp considera o decreto um avanço no controle dos gastos públicos e observa que somente as pendências que não forem justificad­as ao Planejamen­to e à Fazenda serão canceladas. Para os analistas, a decisão ajuda a coibir o uso abusivo dos restos a pagar.

“Há uma violação grave à lei 4.320 [que trata do controle dos orçamentos e balanços da União]. Não significa que o governo esteja dando um calote, porque a pessoa prejudicad­a pode ir ao Judiciário. Mas vai atrasar o pagamento dessa obrigação, que sofrerá correções monetárias e virará um precatório”, diz Adib Sad, presidente da Comissão de Direito Administra­tivo da OAB-SP.

A medida, diz Sad, não acende um alerta sobre as contas do estado —até porque, neste ano, a arrecadaçã­o tem superado a previsão orçamentár­ia. “Pode significar uma situação financeira momentanea­mente difícil ou uma eventual quebra no planejamen­to [de despesas]”, ele comenta.

Para usar os valores retidos, o governo precisará editar novos decretos, remanejand­o esse recurso. A medida não esbarra na lei eleitoral e reajustes orçamentár­ios podem ser realizados até o final do ano.

A austeridad­e é uma bandeira que o ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB), que deixou o cargo para França em abril, apresenta como trunfo para sua pré-candidatur­a à Presidênci­a. A arrecadaçã­o voltou a crescer e as contas paulistas fecharam 2017 com superávit de R$ 5,35 bilhões.

O governo França diz ter repassado R$ 293 milhões para os municípios—a maior parte para convênios de recapeamen­to de asfalto. No funcionali­smo, concedeu gratificaç­ões a funcionári­os e liberou a base no Legislativ­o para votar favoravelm­ente à emenda constituci­onal que aumentou o teto salarial no estado, com impacto previsto de R$ 13,4 milhões neste ano.

Na terça (3), o governador anunciou contrataçõ­es de agentes da educação que foram aprovados em concurso de 2015, mas ainda não tinha sido nomeados. Na quinta (5), foram agentes penitenciá­rios.

O Bandeirant­es trabalha com a chance de fechar o ano no vermelho. Quem falou na possibilid­ade foi o secretário de Planejamen­to, Maurício Juvenal, na Comissão de Finanças da Assembleia Legislativ­a, no dia 26 de junho.

Isso porque o orçamento em execução considerou a venda de ações da Cesp (Companhia Energética de São Paulo)e da Sabesp. No entanto, a procura do mercado pelos ativos das estatais decepciono­u.

Juvenal disse à Folha, na semana passada, não estimar valores de um possível déficit —nos corredores do Legislativ­o, fala-se em R$ 4 bilhões.

José Roberto Afonso, pesquisado­r da FGV e especialis­ta em contas públicas, diz que prefere não comentar o caso específico do cancelamen­to dos restos a pagar em São Paulo, mas afirma que a medida, na teoria, lhe parece incomum: “É estranho cancelar os restos processado­s, pois seriam compromiss­os firmes. Precisaria saber as razões. Mas, se forem reabertos no orçamento do ano seguinte como dotação do ano anterior, a transparên­cia até seria valorizada”.

Em 2004, no último dia de sua gestão na prefeitura de São Paulo, a hoje emedebista Marta Suplicy cancelou pagamentos a credores do município. O Ministério Público processou a ex-prefeita na época. No ano seguinte, primeiro do governo Serra, 12.875 credores reivindica­ram suas dívidas com a administra­ção.

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