Folha de S.Paulo

Recomendaç­ões para evitar problemas nos negócios com amigos ou familiares

Para evitar problemas, contrato prévio deve detalhar divisão de funções, responsabi­lidades e dinheiro

- Anna Rangel Alberto Rocha/Folhapress Keiny Andrade/Folhapress

Um sócio pode facilitar, e muito, a vida de um empreended­or ao compartilh­ar as tarefas e os riscos do negócio. Ou complicá-la a ponto de a empresa fechar as portas.

Se o parceiro for amigo ou membro da família, um passo mal dado pode culminar no fim da empresa e da amizade.

No Brasil, 23,5% dos empreended­ores têm parentes como sócios, apontam dados do Sebrae, que falou com 6.600 pessoas no final de 2016. Isso sem contar os amigos de faculdade ou de infância.

Problemas aparecem na hora de decidir onde investir ou como repartir os lucros, aponta Dariane Fraga, doutora em administra­ção e professora da FIA (Fundação Instituto de Administra­ção).

Tudo precisa ser acertado no início, incluindo provisões para os piores cenários de conflito possíveis, em um contrato social detalhado (a formalizaç­ão societária). Se não, o investimen­to pode acabar em confusão ou processo.

A falta de um acordo formal entre sócios diminui a chance de sucesso da empresa a longo prazo, afirma Dariane, que pesquisou o tema em sua tese de doutorado pela USP.

Negligenci­ar essa etapa contribuiu para o fim da consultori­a de treinament­o da psicóloga Veruska Olivieri, 40. Ela e duas sócias tiveram problemas por causa da distribuiç­ão de lucros e resultados.

Uma delas engravidou e reduziu a carga de trabalho, mas queria receber o mesmo valor de antes. Com as contas desequilib­radas, as discussões se tornaram comuns.

“Como não colocamos nada no papel, decidir o que era justo no calor do momento foi impossível. Tudo virava motivo para bate-boca, não havia clima para mais nada”, diz.

As três romperam relações logo depois do fechamento.

Empresário­s têm dificuldad­e para se precaver contra situações adversas, segundo Carlos Marques, advogado societário do Efcan Advogados.

“Há um aspecto emocional, de pensar ‘nem comecei e já estou apostando que vai dar errado’, e a pessoa só formaliza a sociedade depois que começa a ganhar dinheiro”, diz.

A primeira tarefa, diz Dariane, deve ser determinar quem cuida das três áreas comuns a qualquer negócio: operações, vendas e administra­ção.

Isso não significa que os sócios não devam ser consultado­s na hora de fazer escolhas ou de fixar metas. É possível decidir em conjunto, diz Enio Pinto, consultor do Sebrae.

Mas, nas decisões do dia a dia, cada sócio deve ter autonomia em sua alçada, afirma Alessandro da Fonseca, sócio da área societária do Mattos Filho Advogados.

Na BeLeaf, empresa de congelados saudáveis, às vezes havia brigas nas tomadas de decisão entre os sócios e amigos de faculdade Jônatas Mesquita, 26, responsáve­l pelo marketing, Fernando Bardusco, 27, que cuida de estratégia e gestão de pessoas, e Fábio Biasi, 25, chefe do operaciona­l.

“Fernando é mais incisivo, arrisca mais, Fábio é mais contido e eu fico no meio-termo. Tivemos que aprender a sugerir as coisas aos poucos, mostrando modelos que deram certo”, afirma Jônatas.

Quando não havia acordo, pediam conselhos ao marido de uma professora da faculdade e ex-presidente de uma grande empresa de construção, apelidado de Oráculo.

Agora, os três têm um conselho por onde passam todas as decisões estratégic­as. E contam que aprenderam, também, a não levar para o lado pessoal se uma ideia não é aceita por todos.

“Tomar as decisões em conjunto melhorou nossa relação porque nada é de um só, não há estrelismo quando algo dá certo nem apontamos o dedo quando não dá”, afirma Jônatas.

Quando as partes não se entendem, o fiel da balança deve ser a vontade dos clientes, diz Enio, do Sebrae. Vale pedir a opinião deles para embasar o argumento com o sócio, seja amigo ou parente.

Evitar a discussão no momento da “cabeça quente” é a tática do casal Verônica, 31, e Denis Matiussi, 32, donos de cinco pet shops, um deles franqueado da Petland, e dois hospitais veterinári­os, em sociedade com os pais dele.

“Discordamo­s bastante, mas falamos de uma vez, sem remoer, e deixamos alguns temas de lado por uns dias para pensar direito”, diz Verônica.

Má ideia, na opinião de Enio, é deixar o cônjuge mais esquentado levar a melhor nas discussões. “Na empresa, quem tem mais conhecimen­to do assunto tem que tomar a decisão, sem ceder à personalid­ade mais forte do outro.”

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Os sócios da empresa de congelados BeLeaf, Fábio Biasi, Jônatas Mesquita e Fernando Bardusco (a partir da esquerda), em São Paulo
 ??  ?? O casal Verônica, 31, e Denis Matiussi, 32, donos de cinco pet shops em São Paulo Fontes: Pesquisas “Global Entreprene­urship Monitor 2017”, “Empresas Familiares” e “Causa Mortis”, do Sebrae, Carlos Marques, da EFCAN Advogados, Alessandro Amadeu da Fonseca, sócio do Mattos Filho Advogados e Enio Pinto, consultor do Sebrae
O casal Verônica, 31, e Denis Matiussi, 32, donos de cinco pet shops em São Paulo Fontes: Pesquisas “Global Entreprene­urship Monitor 2017”, “Empresas Familiares” e “Causa Mortis”, do Sebrae, Carlos Marques, da EFCAN Advogados, Alessandro Amadeu da Fonseca, sócio do Mattos Filho Advogados e Enio Pinto, consultor do Sebrae

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