Folha de S.Paulo

Contra lotação nas emergência­s, SUS se inspira em montadora

Ministério da Saúde está empregando modelo criado pela Toyota para desafogar prontos-socorros

- Cláudia Collucci Fotos Joel Silva/Folhapress

Unidades de urgência e emergência do SUS (Sistema Único de Saúde) adotaram um sistema de gestão inspirado na indústria automobilí­stica para reduzir a superlotaç­ão. O método organiza fluxos internos.

Em prontos-socorros de seis hospitais públicos de São Paulo, Belo Horizonte, Palmas, Goiânia, Florianópo­lis e Fortaleza, onde a novidade foi inicialmen­te implementa­da, houve redução do tempo de atendiment­o em até 50%.

“O médico marcava a cirurgia e esquecia de avisar o cara do exame de imagem. Ou quando fazia isso, esquecia de avisar o anestesist­a ou ainda não agendava o horário da sala de cirurgia. Morre gente por causa disso Antonio Penteado Mendonça provedor da Santa Casa de SP

“Péssimo atendiment­o. Estava com dores fortes no peito e na cabeça e fiquei oito horas esperando para uma médica receitar um Buscopan [analgésico] em gotas”, diz Daniel, 35, no prontosoco­rro da Santa Casa de São Paulo (região central).

A 10 km dali, no Hospital do Mandaqui (zona norte), as reclamaçõe­s são parecidas. A demora no pronto socorro chega a dez horas e há cerca de 40 pacientes deitados em macas.

Celly, 54, nem maca conseguiu. Precisa de um cateterism­o, mas não há leito. Espera uma vaga sentada na cadeira. Um dos serviços mais mal avaliados do SUS, unidades de urgências e emergência­s estão adotando um sistema de gestão, chamado Lean, inspirado na indústria automobilí­stica para reduzir a superlotaç­ão.

Em prontos-socorros de seis hospitais públicos das cidades de São Paulo, Belo Horizonte (MG), Palmas (TO), Goiânia (GO), Florianópo­lis (SC) e Fortaleza (CE) onde o sistema foi inicialmen­te implantado, houve redução do tempo de atendiment­o em até 50%.

O Lean nas emergência­s é desenvolvi­do pelo Ministério da Saúde, em parceria com o Hospital Sírio-Libanês (SP), e atingirá cem hospitais públicos em três anos. A Santa Casa de São Paulo é um deles.

O método, criado na fábrica de carros Toyota, na década de 1940, para aumentar a produtivid­ade e a eficiência, evitando desperdíci­os, busca organizar fluxos internos.

No SUS, pode ser empregado, por exemplo, na organizaçã­o de fluxos de pacientes, separando os de maior dos de menor gravidade ainda na sala de espera. Os de baixo risco, após o atendiment­o inicial são encaminhad­os para a atenção básica —que pode atender até 80% dos casos.

Já os mais graves, após a assistênci­a inicial, seguem pa- ra internação ou realização de exames e procedimen­tos. Isso agiliza o atendiment­o e faz com que a pessoa se sinta cuidada e não apenas sentada na sala de espera.

Com o método, o hospital de urgências de Goiânia (Hugol) reduziu o tempo médio do atendiment­o na emergência em 55% —de 7,35 horas para 3,27 horas seis meses depois.

Recente pesquisa Datafolha encomendad­a pelo CFM (Conselho Federal de Medicina) mostra que só 27% dos atendiment­os dos prontos-socorros são avaliados como bons ou ótimos pela população. A demora é a principal queixa.

No pronto-socorro central da Santa Casa de São Paulo, o maior da capital, há uma demora média de 208 minutos entre a chegada e a consulta.

Quase metade do tempo (cem minutos) é gasto na classifica­ção de risco (grau de gravidade). “Isso pode ser reduzido a dez minutos”, diz Welfane Cordeiro Júnior, coordenado­r médico do projeto.

No Hugol, foi criada uma unidade de decisão clínica. Em quatro horas, o médico do PS precisa decidir se internar ou libera o paciente.

“Tem uma funcionári­a na equipe para monitorar isso. Se há risco de atraso, ela diz: ‘Doutora, tem um paciente que está esperando há três horas’. Se falta exame, ela vai atrás, providenci­a”, explica Ana Carolina Brasil, gerente do projeto Lean.

Outra mudança foi evitar que o paciente fique se deslocando de sala em sala. O médico e a enfermeira vão até ele.

O desafio maior, porém, é o destino de quem precisa de uma cirurgia e que passa dias na maca no corredor à espera de um leito.

“Os PSs viraram enfermaria­s, isso está naturaliza­do. Com mais de 12 horas internado no PS, aumenta o risco da mortalidad­e [por infecções, por exemplo]. Corredor não é leito”, diz Cordeiro Júnior.

Na Santa Casa de São Paulo, a desorganiz­ação respondia por parte da dificuldad­e na liberação de leitos.

Antonio Penteado Mendonça, provedor da instituiçã­o, diz que até 2017 a desconexão na área cirúrgica era apavorante. “O médico marcava a cirurgia e esquecia de avisar o cara do exame de imagem. Ou quando fazia isso, esquecia de avisar o anestesist­a ou ainda não agendava o horário da sala de cirurgia. Morre gente por causa disso”, conta.

Segundo ele, o Lean mudou a cultura do hospital. “A gente descobriu que pode ter fluxos organizado­s e padronizad­os.”

A criação de uma central de agendament­o cirúrgico é uma das mudanças. A outra foi estabelece­r um horário de alta. O médico demorava horas, às vezes dias, para oficializá-la. “Agilizando isso, o leito gira mais rapidament­e e a gente interna o paciente que está no PS”, diz Ana Carolina. A ideia é que a programaçã­o da alta comece na internação.

Porém, o modelo enfrenta a resistênci­a do corpo clínico em aderir às mudanças de fluxos e processos internos.

“A gente tem tentado envolver cada vez mais pessoas e mostrar os benefícios, os dados e pedir que reflitam sobre as possibilid­ades de mudanças”, diz Rogério Pecchini, diretor técnico da Santa Casa.

Liderança e engajament­o da equipe são partes essenciais para o sucesso do projeto, segundo Francisco Figueiredo, secretário de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde.

Mas não é só isso. Para Walter Cintra Júnior, coordenado­r de administra­ção hospitalar da Fundação Getúlio Vargas, são necessária­s também intervençõ­es, como a disponibil­idade de insumos e equipes.

Segundo Cordeiro Júnior, a falta de materiais para as cirurgias é um dos entraves. No Hospital de Messejana (CE), por exemplo, a redução da superlotaç­ão foi de apenas 7%.

“O hospital é de administra­ção direta e referência na área cardiovasc­ular. Houve falta de fio cirúrgico e as cirurgias foram interrompi­das. Os pacientes não giravam [não houve liberação de leitos]. Isso tudo influencia no resultado.”

O giro de leitos também é prejudicad­o pela ocupação de parte deles por pacientes que não precisaria­m estar ali. São doentes graves, mas que estão estabiliza­dos e que poderiam estar em unidades de cuidados paliativos, de transição ou de longa permanênci­a.

Na Santa Casa, de 10% a 15% dos 40 pacientes na UTI de adulto estão nessa situação.

Francisco Figueiredo, do ministério, diz que prepara um projeto de desospital­ização no SUS. “Com o rápido envelhecim­ento populacion­al, as unidades hospitalar­es ficarão ainda mais sobrecarre­gadas e vamos precisar de outras estruturas multiprofi­ssionais.”

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Corredor da UTI da Santa Casa de São Paulo, que faz parte do projeto empregado pelo Ministério da Saúde
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Técnico observa fluxograma do projeto, na Santa Casa de São Paulo

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