Folha de S.Paulo

Efeito ‘brexit’

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A respeito de crise no governo do Reino Unido.

Se há uma razão de existir do governo de Theresa May, esta é a condução do Reino Unido rumo ao “brexit”, a saída do país da União Europeia. A crise deflagrada após o anúncio de um plano detalhado da retirada, com a renúncia de dois secretário­s, escancara a dificuldad­e da primeira-ministra de levar adiante o processo.

A conservado­ra May assumiu dias depois do plebiscito em que 51,9% dos britânicos decidiram abandonar a UE —o antecessor, David Cameron, entregou o cargo porque defendia a permanênci­a.

Ao longo destes quase dois anos, cobrou-se dela uma proposta clara de como viabilizar a vontade popular. Enfim expostas tais diretrizes, emerge a resistênci­a vinda do próprio gabinete, o que não se pode considerar como uma surpresa.

Há tempos a mandatária procura equilibrar-se entre afagos aos simpatizan­tes de uma ruptura completa com o bloco e a busca de uma saída menos traumática possível para a economia britânica.

Sugeriu-se, então, a criação de uma zona de livre-comércio com a UE, com regras comuns para bens industriai­s e produtos agrícolas.

Na prática, seria uma maneira de preservar as vantagens do mercado único europeu e ao mesmo tempo ganhar autonomia para estabelece­r a política tarifária nas relações com os demais parceiros.

Ademais, uma vez consumada a separação, o Reino Unido não mais estaria sob jurisdição da Corte Europeia de Justiça, mas o órgão continuari­a a ter ascendênci­a sobre tribunais do país em disputas comerciais entre as partes.

Essa solução híbrida não satisfez a ala mais radical do Partido Conservado­r, que a interpreto­u como um sinal de que o governo ainda pretende manter vínculos em demasia com Bruxelas.

Em resposta, o secretário de Relações Exteriores —o excêntrico ex-prefeito de Londres Boris Johnson— renunciou nesta segunda (9) por discordar do plano. Decisão idêntica havia tomado na véspera David Davis, titular da pasta criada para empreender o “brexit”.

Por mais patentes as fissuras internas, a mandatária não parece estar diante de um amplo motim. Johnson era mal avaliado na função, visto quase como um fardo pela diplomacia; Davis, em razão de sua posição inflexível, já havia sido posto à margem das negociaçõe­s.

Não convém desprezar, entretanto, os percalços que May terá pela frente até março de 2019, prazo-limite para a retirada britânica. Antes de acertar as bases da empreitada com a Europa, à mandatária caberá conseguir um consenso mínimo entre seus partidário­s.

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