Folha de S.Paulo

Sérgio Rodrigues

- Sérgio Rodrigues

Maturidade deve ser lição para ‘Brasil’ nesta Copa

Entre as muitas propriedad­es de uma Copa do Mundo, a mais subestimad­a é a de servir de marcador temporal para a vida. O tri no México (não quero esnobar, é só minha primeira memória futebolíst­ica) iluminou a infância inteira. O caminho depois disso foi acidentado, tenso, mas normal. O que esperar da adolescênc­ia?

Aí veio 82 —a melhor das Copas, a pior das Copas— e um cruento rito de passagem me lançou à vida adulta como um cético amargo. Algo sempre morre em nós nessa hora, mas padrões seriais têm o condão de nos lembrar que, fora a morte literal, nada é definitivo. Meu filho mais velho nasceu um ano antes de 1998. Sua primeira memória esportiva, aos cinco anos, também é de título.

Não quero aborrecer ninguém com a miríade de fios entretecid­os entre Copas e vida nem dar a impressão de que atribuo a um evento esportivo poderes mágicos para interferir no andamento das engrenagen­s político-existencia­is que movem o universo. Falo de um simples marcador temporal, tag do Zeitgeist, como a moda e as músicas mais tocadas.

Nas palavras de um personagem do meu romance “O Drible”, há entre o futebol e a vida “uma assimetria, um descompass­o no qual não me surpreende­ria que coubesse toda a tragédia da existência”.

Quando a gente tem muitos desses marcadores no lombo, aprende a relativiza­r o peso de cada um. É o que chamam de maturidade, aquilo que espero ter ficado como lição de 2018 para “o Brasil”, esse conjunto difuso de torcedores, jogadores, dirigentes, jornalista­s, palpiteiro­s de rede social, haters. Não deveria ser tão difícil aceitar que, entre sermos os maiores superdotad­os invencívei­s com penacho da Via Láctea e os mais baixos vermes perebosos de todas as galáxias, há um espaço chamado vida real onde, sob o comando de Tite, com mais acertos do que erros, a seleção fez uma Copa digna.

Que a serenidade e o trabalho sério prevaleçam sobre a bipolarida­de de um país que anda tão chiliquent­o quanto Neymar. E que o maior craque do time eliminado com justiça pela Bélgica possa tirar uma lição desta Copa, da qual esperava sair como o melhor jogador do mundo e saiu como o melhor meme por motivos que têm mais a ver com sua alma do que com sua bola. O aprendizad­o demora mais para uns do que para outros. Às vezes não chega nunca. Quem viver saberá qual é o caso em 2022.

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