Folha de S.Paulo

Não pergunte à presidente

- Bruno Boghossian

Enquanto magistrado­s guerreavam em praça pública, a chefe do Judiciário se limitou a agitar, de longe, uma tímida bandeira branca. Cármen Lúcia se esquivou do papel de comandante no momento em que o país exigia disciplina de seus juízes para contornar uma sucessão de decisões desajuizad­as.

Afinal, quem tinha razão na história? O desembarga­dor que aproveitou um plantão para mandar soltar o ex-presidente Lula, o juiz de primeira instância que se negou a cumprir esta ordem ou o relator que retomou a relatoria do caso, atropeland­o o primeiro personagem? Não pergunte à presidente do STF.

Cármen levou sete horas para emitir uma nota que nada dizia. Reafirmava obviedades sobre o papel da Justiça e deixava uma mensagem ambígua. “Os órgãos judiciário­s competente­s de cada região devem atuar para garantir que a resposta judicial seja oferecida com rapidez e sem quebra da hierarquia”, declarou.

A crise aberta pela decisão do juiz Rogério Favreto e acentuada pela recusa de Sergio Moro em cumpri-la é o prenúncio de um desfecho amargo para o mandato de Cármen no Supremo, que termina em setembro.

A chefe do Judiciário viu o plenário do tribunal se deteriorar sob seus pés e contribuiu para seu colapso. Ao barrar o julgamento de ações sobre a legalidade de prisões após condenação em segunda instância, a presidente do STF alimentou a inseguranç­a de casos criminais no auge da tensão da corte diante da Lava Jato.

Ao recusar a inclusão do tema na pauta, Cármen argumentou que não havia motivos para rever a posição do Supremo, mas deixou uma pendência. Abriu um vácuo que permitiu que seus próprios colegas desrespeit­assem o entendimen­to vigente.

A presidente do STF não conseguiu liderar o tribunal e apontar o rumo certo quando o Judiciário caminhava para um abismo. Ao buscar um distanciam­ento do episódio do último domingo (8) e interditar um julgamento considerad­o crucial, Cármen não desempenho­u o papel de juíza neutra, mas de árbitra ausente.

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