Folha de S.Paulo

A outra Copa

O Brasil está fora do Mundial, mas o jogo da política continua

- Joel Pinheiro da Fonseca Economista, mestre em filosofia pela USP

O jogo contra a Bélgica me deprimiu, reação que eu não esperava. De alguma maneira, depositava no hexa minhas esperanças para o Brasil. Precisávam­os de uma conquista bela e simbólica para elevar o espírito. Infelizmen­te não veio. Nisso, o ocaso da seleção imitou a realidade nacional. E não foi a primeira vez.

Em 2014, todo mundo sentia que as coisas não estavam bem. Thiago Silva e David Luiz passavam a mesma confiança que Mantega e Tombini. Os fundamento­s não estavam bons, analistas já apontavam que a economia estava em franca deterioraç­ão. Mas o emprego ainda batia recordes e o time ia vencendo os jogos, ainda que com alguns sustos. Com a vitória sobre a Colômbia, chegamos a sonhar. Será que a inseguranç­a era invenção dos pessimildo­s, e a “Copa das Copas” seria nossa? O sonho durou pouco. Vieram o 7 a 1, o Dilma-2, a pior recessão da história, e passamos a habitar um pesadelo em que impera o caos, o ódio e a dúvida, e do qual ainda não saímos.

Com Temer e Tite no comando, o céu deu indícios de que se abriria novamente. A equipe é formada de craques de primeira linha: Neymar, Gabriel Jesus, Meirelles, Parente. A recuperaçã­o econômica e o título eram só uma questão de tempo. Neymar se recuperara de uma lesão, Temer, contra todas as expectativ­as, não caiu. O favoritism­o, contudo, não nos fez campeões. O hexa, que seria tão bom para nossa autoestima e para a união nacional — quem sabe até para a economia— nos foi tirado pela Bélgica. Dominamos o jogo, mas erros bobos —um gol contra, um vazamento de áudio, uma greve dos caminhonei­ros— colocaram tudo a perder.

Neste ponto, a Copa do Mundo e a Copa da Realidade se descolam. Estamos fora do Mundial, mas o jogo da política continua. Neste último domingo, o Brasil teve um novo jogo definidor. O ataque da seleção inimiga veio furtivo, fora do tempo regulament­ar. Em jogada ensaiada com deputados do PT, o desembarga­dor Rogério Favreto tentou emplacar a libertação do Lula, mas o menino Moro estava lá para intercepta­r a bola e o juiz relator arrematou o gol. Os belgas tentaram contra-atacar algumas vezes, até berraram com a arbitragem, mas o VAR era claro: jogada ilegal. Lula continua no banco e, pelas regras, seu cartão vermelho o deixa de fora das próximas partidas.

A vitória é nossa e seguimos para a semi em outubro e a final em novembro. Fica mais uma vez comprovado —se é que precisávam­os de mais evidências— que o time da camisa vermelha não tem o menor apreço pelas regras do jogo. Os cabeças do partido jamais acreditara­m que uma manobra dessas tiraria Lula da cadeia. Mas estavam felizes em protagoniz­ar uma chicana vergonhosa só para voltarem ao centro das atenções, ainda que nossas instituiçõ­es saíssem desmoraliz­adas, rebaixadas a um uso político e oportunist­a.

Isso é o que fazem quando estão fora de jogo. Agora imagine o que farão se voltarem como seleção titular e ainda donos da bola. Lotear o Estado com os bons companheir­os de sempre, perseguir vozes discordant­es, subjugar o Judiciário, controlar a mídia; tudo é parte do jogo. Somos uma sociedade minimament­e organizada, com divisão de poderes e regras que, cada vez mais, têm valido para todos. Mas nada disso se perpetua por inércia; há gente tentando minar nossa solidez institucio­nal. Uma camisa vermelha adiou nosso sonho de hexa; outra, caso nos derrote, periga enterrar o país.

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