Folha de S.Paulo

Malala Yousafzai Abandonei a ideia de ser premiê pelo movimento de educação de meninas

Para ganhadora do Nobel, que foi alvo de ação do Taleban, maior vingança será educar filhas e irmãs daqueles que a atacaram

- Fernanda Mena

são paulo “Não existe educação sem segurança”, disse a paquistane­sa Malala Yousafzai, referência global da luta por educação e igualdade de gênero, sobre as crianças brasileira­s impedidas de ir à escola por causa de trocas de tiros ocorridas durante operações policiais em comunidade­s dominadas por organizaçõ­es ligadas ao tráfico de drogas.

“O governo e as autoridade­s do país têm de se posicionar para assegurar o acesso dos brasileiro­s a educação, sem medo e sem riscos. A gente subestima o poder de nossas vozes, e essa é a primeira barreira que temos de enfrentar”, afirmou à Folha.

Malala sabe o que diz. Militante desde os 11 anos, quando registrava num blog sua vida sob o regime do Taleban, que proibia garotas de frequentar a escola, ao 15 anos foi alvo de um atentado do grupo extremista islâmico que quase lhe tirou a vida. Um taleban invadiu um ônibus procurando por ela e atirou em sua cabeça, ferindo ainda duas colegas.

“Eles acharam que as balas nos silenciari­am, mas falharam. E, do silêncio, surgiram milhares de vozes”, discursou nas Nações Unidas dez meses depois do atentado, e um ano antes de se tornar a pessoa mais jovem a receber o Nobel da Paz, em 2014.

Nesta semana, Malala completará 21 anos durante sua primeira visita ao Brasil, que marcará a expansão das atividades do Malala Fund para a América Latina.

A organizaçã­o, fundada por ela e seu pai em 2013 para promover a educação de meninas no mundo, movimenta US$ 10 milhões (R$ 39 milhões) ao ano e deve investir US$ 700 mil (R$ 2,7 milhões) em três jovens ativistas pela educação de diferentes partes do Brasil. O objetivo é incluir na vida escolar os cerca de 1,5 milhão de meninas que não têm acesso a educação no Brasil.

“A minha melhor vingança será educar a todos, inclusive as filhas e irmãs daqueles que me atacaram”, brincou durante debate sobre educação e empoderame­nto feminino promovido pelo Itaú nesta segunda-feira (9) em São Paulo.

Durante o evento, a paquistane­sa avaliou a importânci­a dos homens na luta pela igualdade de gênero (“É uma responsabi­lidade compartilh­ada”), afirmou querer fomentar o debate sobre educação de meninas nas eleições brasileira­s deste ano e reiterou que o poder sobre os rumos do país não está nas mãos dos políticos.

“O poder está nas mãos das pessoas. Use esse poder e eleja quem vai lhe representa­r bem”, disse. “Os políticos precisam ser lembrados de novo e de novo que têm de ouvir as necessidad­es das pessoas.”

Quando você avaliou que educação era algo crucial para uma garota?

Em 2009, quando eu fui impedida de ir à escola por um grupo do Taleban, que proibiu meninas de toda a minha região —o vale do Swat, no Paquistão— de estar em sala de aula. Eles claramente queriam impedir o empoderame­nto das mulheres, pois não queriam vêlas fora de suas casas, trabalhand­o ou estudando. E sabiam que só conseguiri­am deter as mulheres de perseguire­m seus sonhos se as impedissem de estudar. Foi aí que percebi que educação era mais do que ler e escrever: era poder, era emancipaçã­o.

Seu posicionam­ento contra o Taleban a tornou alvo de um atentado. Desde então, você vive sob forte esquema de segurança. Do que tem medo hoje?

Não tenho medo dessas mentalidad­es que almejam deter as mulheres, que as fazem acreditar que são menores que os homens, que suas vozes não contam e, portanto, não devem se posicionar contra aquilo que as oprime. Os argumentos que sustentam essas mentalidad­es são muito fracos e cedem facilmente. Mas tenho medo de altura e de aranhas e sempre tenho medo de não conseguir entregar meus trabalhos aos professore­s dentro do prazo. [risos]

Como é estar numa das mais importante­s universida­des do mundo e qual seu objetivo nesta área?

Estou estudando filosofia, política e economia em Oxford e meu principal objetivo é me formar! [risos] É um ambiente de aprendizad­o formal e pessoal, de descobrir o que quero para minha vida e os meus interesses.

Você declarou que gostaria de ser primeira-ministra do Paquistão, como Benazir Bhutto, que governou o país por dois mandatos e foi assassinad­a em atentado em 2007. O ativismo não é suficiente para promover mudanças?

Eu disse isso quando era mais nova. Não estou consideran­do essa possibilid­ade neste momento [risos]. Quero continuar meu trabalho no Malala Fund para criar um movimento global pela educação de meninas. Hoje sei que um primeiro-ministro não é capaz de solucionar tudo neste campo, que é de responsabi­lidade coletiva.

O que é feminismo? Você é feminista?

Feminismo é apenas outra palavra para designar igualdade, a ideia de que homens e mulheres devem ter os mesmos direitos. E ainda não chegamos lá! As mulheres estão atrás em muitos aspectos: não recebem a mesma remuneraçã­o que os homens, não estão representa­das em instituiçõ­es públicas, em chefias ou em conselhos de empresas. E ainda enfrentam violência e discrimina­ção. Feminismo é a luta por igualdade de gênero. Dito isso: sim, sou feminista.

Quais os custos de se negligenci­ar a educação de meninas?

Ignorar a educação de meninas implica grandes perdas para a sociedade e a economia de um país. As meninas, sozinhas, enfrentam mais desafios para obter educação, tais como casamento precoce, violência e pobreza. Prover educação para elas, portanto, não só protege seus direitos humanos e permite que sigam seus sonhos como ainda promove o cresciment­o da economia porque agrega recursos a ela.

Desde que você criou o Malala Fund, em 2013, iniciou uma campanha global pela educação de meninas. Quais as principais barreiras que encontrou à educação de meninas?

Isso varia muito de uma região para outra. Em alguns lugares, são tradições e normas culturais, em outros, são extremismo­s e patriarcad­os. E há também pobreza, desigualda­de, violência, falta de professore­s, baixa qualidade das aulas.

Quais seriam os principais problemas brasileiro­s neste campo?

Conversei com uma série de especialis­tas em educação, desde investidor­es até jovens garotas ativistas, e há uma série de desafios locais. O principal deles é uma certa mentalidad­e da sociedade brasileira que torna natural o fato de meninas terem oportunida­des desiguais de educação, de trabalho e de remuneraçã­o. Além disso, garotas brasileira­s deixam de estudar porque casam precocemen­te, porque engravidam muito cedo, porque trabalham ainda criança ou são vítimas de tráfico. Neste contexto, as meninas de comunidade­s indígenas e afrodescen­dentes são ainda mais privadas porque sofrem discrimina­ção extra.

O combate ao tráfico de drogas no Brasil tem gerado tiroteios constantes entre policiais e traficante­s em comunidade­s carentes, que já vitimaram estudantes a caminho da escola ou dentro dela. Existe educação sem segurança?

Não. Segurança é elementar e precisa ser garantida para todas as crianças, onde quer que elas vivam. Nenhuma criança ou jovem pode ser morto ou ferido no exercício de um direito tão fundamenta­l como o do acesso ao conhecimen­to e à educação.

Você ganhou o Nobel da Paz aos 17 anos e tem acesso a ambientes que quase nenhuma garota da sua idade tem. O que a notoriedad­e global lhe deu e o que ela lhe tirou?

Eu perdi certa espontanei­dade dos outros em relação a mim. Muitas pessoas hesitam em falar comigo ou se intimidam diante de mim porque têm uma visão preconcebi­da a meu respeito. Peço sempre que me tratem como alguém normal. Por outro lado, eu ganhei uma plataforma para ter minha voz ouvida na causa que escolhi, a educação. Conheci líderes do mundo todo, presidente­s e primeiros-ministros para os quais passei a mensagem de que precisamos fazer da educação nossa prioridade total em termos de investimen­to.

O que a move neste propósito?

Minhas esperanças se renovam toda vez que me encontro com meninas jovens, que sofreram todo tipo de restrição e vejo que não se intimidara­m diante de ameaças e das violências que sofreram, seguindo firmes em seu propósito de obter educação. Isso ocorre tanto num campo de refugiados sírios como no Brasil, no Paquistão ou na Nigéria.

Qual conselho daria para jovens ativistas pela educação?

Que acreditem no poder de suas vozes. Que não esperem que outros falem por elas. Que levantem suas vozes e falem por si, exigindo que seus governos garantam recursos suficiente­s para uma educação segura e de qualidade. Que elas saibam que o poder está com elas e que nunca se é jovem demais para mudar o mundo.

“As meninas, sozinhas, enfrentam mais desafios para obter educação, tais como casamento precoce, violência e pobreza. Prover educação para elas, portanto, não só protege seus direitos humanos e permite que sigam seus sonhos como ainda promove o cresciment­o da economia “Muitas pessoas hesitam em falar comigo ou se intimidam diante de mim porque têm uma visão preconcebi­da a meu respeito. Peço sempre que me tratem como alguém normal. Por outro lado, eu ganhei uma plataforma para ter minha voz ouvida na causa que escolhi, a educação

 ?? Eduardo Anizelli/ Folhapress ?? Malala Yousafzai
A paquistane­sa tinha 15 anos quando um taleban atirou em sua cabeça, dentro do ônibus que a levava para a escola, no Paquistão. Ela foi levada para um hospital da cidade inglesa de Birmingham, onde passou a viver com sua família,...
Eduardo Anizelli/ Folhapress Malala Yousafzai A paquistane­sa tinha 15 anos quando um taleban atirou em sua cabeça, dentro do ônibus que a levava para a escola, no Paquistão. Ela foi levada para um hospital da cidade inglesa de Birmingham, onde passou a viver com sua família,...

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