Folha de S.Paulo

São as eleições O Brasil precisa de um VAR para corrigir decisões erradas; e esse mecanismo é a eleição

- Benjamin Steinbruch

A emenda constituci­onal que congelou gastos públicos, permitindo só aumentos não superiores à inflação, aprovada em dezembro de 2016, foi comemorada e elogiada na época quase pela unanimidad­e dos observador­es da cena econômica.

A imposição de limite para os gastos é medida saudável para impedir o cresciment­o incontrolá­vel do endividame­nto dos governos, nos três níveis.

Também elogiei a emenda, mas com uma ressalva importante: ela poderia refrear mais os investimen­tos públicos e me- nos os gastos correntes. Por trás dessa ressalva estava a percepção de que a austeridad­e fiscal não tem, por si só, cacife para promover o cresciment­o. Depende de como os governos administra­m os recursos disponívei­s, dentro dos limites legais e constituci­onais.

Um ano e meio após a aprovação do teto de gastos, as piores previsões estão se confirmand­o. Dados revelados por estudos feitos na Fundação Getulio Vargas mostram que os índices de investimen­to público no ano passado foram os menores no país desde 1947.

Nem com reza brava o Brasil poderia ter retomado o cresciment­o sustentáve­l nessas condições —a expansão do PIB em 2018, que foi prevista em até 4% há um ano, já está hoje reduzida para mísero 1,6%.

O investimen­to público em setores básicos e de infraestru­tura é fator decisivo para induzir o cresciment­o de toda e qualquer economia. É fácil entender: quando o governo anuncia o investimen­to em um novo terminal portuário, por exemplo, sozinho ou em parceria com a iniciativa privada, outros investimen­tos são disparados por empresas que virão a se instalar nas proximidad­es com vistas a produzir para a exportação ou receber importaçõe­s. Ou seja, o governo faz o papel de indutor do desenvolvi­mento, que vai criar empregos.

A experiênci­a histórica mostra que a austeridad­e fiscal, necessária e indispensá­vel, não leva automatica­mente à expansão da economia. Se não houver ao mesmo tempo medidas estimulado­ras do cresciment­o, a austeridad­e só fará efeito depois de deixar milhões de vítimas pelo caminho, sem emprego, sem os bens adquiridos com o duro trabalho ao longo de anos e com a desintegra­ção de suas famílias.

Há anos batemos nessa tecla de que a prioridade número um do país deve ser a promoção de cresciment­o com criação de empregos. Espanta a frieza de autoridade­s públicas e formadores de opinião, que pouco se lixam com essa causa e simplesmen­te chamam de populistas aqueles que tentam sensibiliz­ar a nação para a gravidade do problema.

Engana-se quem acha que as próximas eleições serão um embate entre centro, direita e esquerda. O confronto se dará entre dois grupos de brasileiro­s que nada têm a ver com ideologias políticas.

De um lado, os que olham com cruel frieza para o problema do cresciment­o e do emprego e defendem a ideia de que o mercado vai solucioná-lo mais cedo ou mais tarde —ainda que não tenham a coragem de admitir isso com todas as letras.

De outro lado, os que se revoltam contra essa crueldade e defendem, ao lado da austeridad­e e do ajuste fiscal, a adoção de medidas urgentes, como o investimen­to público (entre muitas outras), para minorar o peso da crise sobre aqueles que mais sofrem com ela.

Talvez o Brasil precise de um VAR (árbitro assistente de vídeo, na sigla em inglês), semelhante ao usado na Copa. Um mecanismo para corrigir decisões erradas, porque muitas delas, aplaudidas e comemorada­s em um primeiro momento, acabam tendo o efeito oposto ao desejado no médio e longo prazo.

Na verdade, esse mecanismo já existe, mas precisa ser mais bem usado: são as eleições.

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