Folha de S.Paulo

Desonroso é ameaçar, diz PM que beijou rapaz

Policial fardado foi filmado dando selinho em amigo no metrô de SP e virou alvo de comentário­s de ódio, até de outro PM

- Pedro Diniz e Marlene Bergamo Reprodução Marlene Bergamo/Folhapress

Leandro Barcellos Prior, 27, é soldado do 13º Batalhão da Polícia Militar de SP. Inspirado no pai, ex-policial da turma de 1988, entrou na corporação há quatro anos e estava havia dois anos na linha de frente do programa Vizinhança Solidária, que estimula moradores a se solidariza­rem uns com os outros para prevenir crimes no bairro.

Em 26 de junho viu um vídeo em que aparece no metrô dando um selinho em outro homem viralizar na internet e dar origem a várias postagens de ódio em redes sociais.

Conta ter sido ameaçado de apedrejame­nto por um policial, que nega a acusação e afirma ter tido o Facebook hackeado. Agora, foi afastado do trabalho e toma remédios para controlar os múltiplos acessos de pânico diários.

Defensor de Prior, José Beraldo afirma que tomará medidas legais para tirar os comentário­s e publicaçõe­s de ódio de circulação.

Natural de São Sebastião, no litoral paulista, Prior falou à Folha sobre o vídeo, as ameaças sofridas e as consequênc­ias que ainda diz que pagará dentro da própria corporação. * Em que circunstân­cia você

foi filmado? Estava no metrô com um amigo, na linha vermelha, em direção à estação Patriarca. Ia para casa, falávamos sobre nosso dia e não vi quem estava na nossa frente. Alguém ficou enojado com nossa felicidade e, acho que por volta das 22h30, gravou um selinho de despedida, que sempre dou em amigos.

Se reconhecer essa pessoa eu vou processá-la, porque me prejudicou completame­nte. Minha estabilida­de emocional e profission­al. Eu namoro, não tinha companheir­os me ameaçando, e, agora estou em pânico, um pânico de não saber quem é que vai me matar.

Não percebeu a câmera? Há um momento que você parece olhar para ela. Se tivesse percebido teria tomado uma atitude. Alguns policiais chegaram a dizer que armei isso por oportunism­o, porque fui candidato a vereador [em 2014] pela minha cidade. Não tenho pretensão de sair candidato. A verdade é que as pessoas não aceitam o beijo entre homens, mais ainda se ele for um militar bem resolvido. Não podem medir minha capacidade pela minha sexualidad­e. Seus colegas sabiam que você era gay? Sabiam, claro. Ninguém nunca falou nada. Até encontro uns em boates. Não espero que ninguém aceite, mas exijo respeito.

Fala-se da abertura de um processo administra­tivo, porque você estava de farda e desatento. Foi aberto um procedimen­to, mas não houve a oitiva. Estão falando de falta de atenção. Não estava desatento, mas sim relaxado, porque o metrô é um lugar seguro. Meu posicionam­ento ge- rou uma falta de segurança? Não, porque estava acordado e minha arma tem três travas. O que aconteceu quando soube do vídeo? Ele foi gravado entre 10 e 15 de junho, não lembro a data ao certo. Circulou em grupos de WhatsApp de policiais, mas do dia 20 para o dia 21 saiu dos grupos. No dia 21 um amigo me mostrou, mas não me preocupei. Quantas vezes vi PMs se beijarem, até beijos lascivos. Na porta do CPC [Comando de Policiamen­to da Capital] os casais chegam de mãos dadas, dão beijos de despedida. É afeto.

O que aconteceu comigo foi preconceit­o. Nenhum link das 77 páginas que tenho de postagens denuncia a desatenção do soldado Prior, e sim o fato de ele beijar outro rapaz. É lamentável que um ato de carinho gere tanto ódio.

Sua rotina mudou? Fui para minha cidade. Hoje tenho que me preocupar aonde vou e com quem vou. Minha família só anda de carro, até para comprar um pão. Eu só recebo três pessoas do meu círculo. E quando começou a receber

ameaças? No dia 21. Meu pai cortou relações comigo. Outros policiais começaram a pedir um posicionam­ento da corporação, e até meu comandante me chamou na sala. Minha arma foi recolhida no mesmo dia pelos colegas, por bom senso e pela minha segurança. O índice de suicídio entre policiais é grande, então é uma questão de bom senso. Mas me senti desprotegi­do. Quando cheguei em casa me vi sem chão, desarmado, com um policial da Rota me ameaçando… Não fumo, mas teve um dia que fumei quatro maços de cigarro.

Estão pedindo minha expulsão, mas, sinceramen­te, não sei o que fiz de errado. Não causei nada de desonroso. Desonroso é um policial que faz um juramento em defesa da vida, da integridad­e física e da dignidade humana, e desonra o juramento inteiro ameaçando um par. Como policial, para mim essa é a maior desonra.

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Leandro Prior, 27, policial militar de SP que foi filmado dando beijo em outro homem
 ??  ?? Imagem retirada do vídeo que circulou em redes sociais Leandro Barcellos Prior, 27 Natural de São Sebastião (litoral norte), é soldado da Polícia Militar de SP há quatro anos
Imagem retirada do vídeo que circulou em redes sociais Leandro Barcellos Prior, 27 Natural de São Sebastião (litoral norte), é soldado da Polícia Militar de SP há quatro anos

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