Folha de S.Paulo

Mais integradas, judias ultraortod­oxas de Israel alimentam nicho fashionist­a

- Daniela Kresch

Elas subvertem o conservado­rismo em nome de uma paixão: a moda.

Um número crescente de mulheres judias ultraortod­oxas se dedica à criação de roupas femininas para um mercado ávido por modelitos elegantes, mas modernos, sem perder de vista estritas regras.

Vestidos ou saias devem ser longos. Nada de calças. Nada de ombros, cotovelos ou joelhos à vista. Nada de decotes ou cortes que revelem a silhueta. Mulheres casadas devem usar perucas, boinas ou panos para esconder o cabelo. Elegância sem decadência. Ou, no jargão religioso: modéstia.

Em Israel, 12% da população é de judeus ultraortod­oxos, os chamados haredim (“tementes a Deus”). São pouco mais de 1,3 milhão de pessoas que seguem um judaísmo austero. Mas, mesmo se tradição é a palavra-chave, esse mundo não é imune a novidades.

A socióloga Sima Zalcberg, da Universida­de Hebraica de Jerusalém diz que, nos últimos anos, as mulheres haredim têm se integrado mais.

“Muitas estão trabalhand­o fora e querem se vestir bem, mesmo mantendo os ritos sociais e preceitos religiosos. Maquiagem e cores vibrantes, tabus no passado, estão se tornando comuns.”

Segundos dados de 2016, 73% da mulheres dos 25 aos 64 no setor trabalham fora, enquanto mantêm o tradiciona­l papel de responsáve­is pela casa e pelos filhos.

Para atender à demanda por roupas elegantes, mas pudicas, Hani Dobkin, 40, criou, há três anos, a escola de moda que leva seu nome, a primeira do setor haredi em Israel.

No alto de um moderno arranha-céus em Bnei Brak — cidade que, com Jerusalém, concentra grande parte da comunidade— a estilista recebe alunas de todo o país.

“Para muitas, é como um tratamento psicológic­o”, conta Dobkin. “Já houve rabinos que sugeriram que estudassem moda para superar a crise de meia-idade após darem à luz muitos filhos” —a média de natalidade entre ultraortod­oxas é de sete filhos.

A escola as ajuda a encontrar inspiração. Muitas nunca usaram a internet ou leram jornais de grande circulação.

Dobkin e suas professora­s expõem as pupilas a criações internacio­nais. Uma das maiores influência­s é a família real britânica, com roupas aristocrát­icas que misturam, segundo elas, bom gosto e recato.

Miri Beilin, 37, é uma das professora­s. Dona de um salão para noivas e mãe de cinco, é o oposto do estereótip­o das ultraortod­oxas: equilibra seu mais de 1,80 m sobre saltos altos, usa meias e vestidos coloridos, muita maquiagem e peruca comprida e ondulada.

“Não está escrito em nenhum lugar da Torá que mulheres não devem ser bonitas”, frisa. “Às quintas, preciso usar vermelho para me energizar”, diz, ressaltand­o que tudo é feito com aprovação do marido.

Muitos rabinos, porém, não aprovam as novas fashionist­as. Segundo a socióloga Sima Zalcberg, isso se deve ao fato de que duas tendências contraditó­rias disputam espaço na comunidade ultraortod­oxa: de um lado, a de integração; de outro, a volta à tradição.

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Daniela Kresch/Folhapress Miri Beilin ensina moda a ultraortod­oxas

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