MP do saneamento deverá ser alvo de ação no Supremo
Associações já se mobilizam para entrar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra o novo marco do setor
A medida provisória do saneamento deve ser questionada no STF por associaÁões do setor e agências reguladoras. Um dos pontos de contestaÁão é a transformaÁão da Agência Nacional de Águas em agência de saneamento básico. Pela ConstituiÁão, o saneamento é prerrogativa dos municípios.
A medida provisória que altera o marco legal do saneamento básico, publicada na segunda-feira (9), deverá ter sua constitucionalidade questionada no STF (Supremo Tribunal Federal).
AssociaÁões ligadas ao setor de saneamento, agências reguladoras e entidades de municípios se reunirão na próxima semana, na quarta-feira (18), para debater quais pontos da MP poderão constar em uma ADI (AÁão Direta de Inconstitucionalidade), afirmou Fernando Alfredo Rabello Franco, presidente da Abar (AssociaÁão Brasileira de Agências de RegulaÁão).
Um dos pontos da MP que deverão ser questionados é o que transforma a ANA (Agência Nacional de Águas) em uma agência reguladora federal de saneamento.
A divergência vem do fato de que, pela ConstituiÁão, o saneamento é uma prerrogativa dos municípios.
“A ANA é uma agência importante no setor de recursos hídricos, mas não tem competência, que é das agências municipais e estaduais”, afirma Franco.
“A questão territorial regulatória é complexa. Como a ANA pode estipular a tarifa no interior do Pará? O critério não pode ser o mesmo do Rio de Janeiro, por exemplo.”
Outro ponto que será questionado é o artigo que, na prática, obriga os municípios a realizar licitaÁões na hora de contratar as concessionárias de saneamento básico.
Até a publicaÁão da MP, as cidades tinham a opÁão de firmar convênios diretamente com as companhias estaduais, para que estas fizessem o serviÁo. Só seria preciso uma concorrência caso o prefeito tivesse a intenÁão de contratar uma empresa privada.
Para o presidente da Abes (AssociaÁão Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental), Roberval Tavares de Souza, a mudanÁa vai contra a ConstituiÁão. “A MP rompe o pacto federativo. A União está obrigando os municípios a fazer a concorrência pública”, afirma.
Ele diz que a área jurídica da entidade também está avaliando o texto para uma provável aÁão no STF contra a MP.
A obrigaÁão de uma licitaÁão para contratar a concessionária de saneamento tem sido um dos principais pleitos das companhias privadas do setor, que alegam falta de isonomia com as concessionárias públicas, que podiam firmar contratos sem concorrência.
As críticas eram dirigidas principalmente às empresas estaduais que tinham participaÁão de capital privado.
“Agora, o município terá condiÁões de escolher tarifas mais favoráveis e formas de gestão mais eficazes”, afirma Alexandre Lopes, vice-presidente da Abcon (associaÁão nacional que representa as empresas privadas do setor de água e esgoto).
Para as concessionárias estaduais, no entanto, a nova regra deverá desestruturar a operaÁão de subsídio cruzado entre cidades mais ricas e mais pobres —na prática, as empresas públicas aproveitam o lucro obtido em cidades de maior porte, que em geral já têm infraestrutura, para custear os investimentos e operar a rede de municípios menores e com rede de esgoto mais precária.
Há um temor de que as empresas privadas fiquem apenas com as cidades economicamente atrativas, e as concessionárias públicas não tenham como bancar os investimentos nas regiões onde ainda não há infraestrutura.
Para Lopes, da Abcon, o argumento não se sustenta. Ele justifica afirmando que atualmente 58% das concessões privadas estão em municípios com populaÁão menor que 20 mil habitantes.
“É possível operar [com lucro em] cidades pequenas. Onde ainda não tem a prestaÁão do serviÁo é ainda mais interessante. Claro que há operaÁões que podem ser mais atrativas. A dinâmica vai se constituir no exercício das novas regras”, diz ele.
“O ente privado tem interesse nas cidades menores. O que há é um temor [por parte das concessionárias estaduais] de que haja mais competiÁão”, afirma Carlos Eduardo Castro, diretor do grupo pri- vado Águas do Brasil.
As empresas privadas também negam que o novo papel da ANA seja inconstitucional.
A atuaÁão federal na regulaÁão de saneamento era outro pleito das companhias, que reclamam de falta de padronizaÁão da regulaÁão pelo país.
Para Castro, a medida não fere o pacto federativo porque a agência federal atuará de forma indireta, dando apenas diretrizes para os órgãos nas cidades e nos estados.
O advogado Gustavo Magalhães, sócio do Fialho Salles, afirma que a MP é cuidadosa nesse ponto. “A ANA ditará apenas normas gerais, e o cumprimento delas é voluntário por parte das cidades.”
No entanto, ele destaca que há um gatilho no texto que pressionará municípios a adotar a regulaÁão federal: cidades que não cumprirem as diretrizes da ANA não terão acesso a recursos da União ou mesmo financiamento com órgãos públicos federais.
“A cidade pode escolher não aderir, mas, se vai existir viabilidade financeira para esses municípios, é outra coisa.”
Taís Hirata