Folha de S.Paulo

Jovens herdeiros de fazendas comandam transforma­ção na produção de café

Quem são os jovens produtores que estão revolucion­ando o segmento; eles herdaram fazendas, mas não os modos de gerenciá-las

- -Flávia G. Pinho

SÃO PAULO Uma revolução está em curso no cafezais brasileiro­s. Começou há duas décadas, quando o café commodity —cultivado e comerciali­zado em larga escala— passou a ser substituíd­o pelos especiais. Mas nunca se viu tanta inovação e ousadia no campo.

A colheita deste ano, de maio a agosto, deve se reverter em novidade na xícara do consumidor —a partir de outubro, produtos da safra começam a chegar ao mercado.

Experiment­os com fermentaçã­o, que eleva a acidez e a complexida­de aromática dos grãos, e testes com variedades inéditas no Brasil são as tendências da estação.

A turma por trás dessa transforma­ção tem pouca idade, muito conhecimen­to e disposição para derrubar dogmas. Filhos, netos, bisnetos e até trinetos de cafeiculto­res herdaram as propriedad­es, mas não a maneira dos antepassad­os de gerenciá-las.

Ao formar-se em agronomia em 2013, Gabriel Nunes, da Nunes Coffee, voltou a Patrocínio (MG) para tocar as três fazendas do pai. Tinha 23 anos quando passou a testar processos de fermentaçã­o. O resultado superou expectativ­as.

Após vencer o concurso internacio­nal Cup of Excellence, em 2017, um lote da Nunes Coffee bateu o recorde mundial no leilão de vencedores. Seis sacas foram arrematada­s por R$ 55 mil cada uma, sendo R$ 600 o preço médio de mercado.

Os compradore­s —duas cafeterias do Japão e duas da Austrália— se encantaram com os grãos de bourbon amarelo que passaram por dupla fermentaçã­o.

“Os deixei com casca, em ambiente fechado e sem oxigênio, por 36 horas no meio do mato, onde a temperatur­a é baixa. Depois, descasquei, fermentei em água por 24 horas e sequei em terreiro suspenso”, relata Nunes.

Ele não tem marca própria. Seus melhores cafés são vendidos verdes (sem torra) para as chamadas cafeterias da ter- ceira onda —pequenos estabeleci­mentos que funcionam como microtorre­fadores. Um dos clientes é a Grassy Spazio Caffè, de Ribeirão Preto (SP).

A fermentaçã­o também é central no trabalho de Mariano Martins, 36 anos, da Martins Café. Desde 2007, quando assumiu a Fazenda Santa Margarida, em São Manuel (SP), ele testa diferentes métodos.

Começou de forma rústica, mergulhand­o grãos em tanques de tijolos, até chegar ao novo biolaborat­ório, que custou R$ 50 mil. “É crescente a demanda por cafés de potência aromática intensa, florais e frutados”, afirma Martins.

A maior parte da produção dele é vendida para cafeterias estrangeir­as —mas o brasileiro terá acesso às novidades. “Os cafés serão identifica­dos pelo padrão frutado, para que as pessoas possam escolher a nota predominan­te.”

Na Fazenda Ambiental Fortaleza, em Mococa (SP), fundada em 1850, a novidade vem na forma de novas variedades de café. Formado em relações internacio­nais, o herdeiro Felipe Croce, 30, está testando 70 cultivares, entre eles o Pacamara, de El Salvador, e o Geisha, originário da Etiópia.

Croce também se dedica à plataforma Isso é Café, na qual comerciali­za produtos de 100 agricultor­es familiares de quatro regiões: Mogiana, Serra da Mantiqueir­a, Serra do Caparaó e Montanhas Capixabas.

Todos seguem as mesmas diretrizes ambientais: os pés crescem no sistema agroflores­tal, que combina diversas espécies de plantas em um mesmo terreno em busca de sombreamen­to e umidade.

Há também subversão no meio. Desde março, quem vai às unidades da rede Santo Grão vê uma curiosidad­e no menu: o café 0% arábica.

Por trás do nome irônico está o café conilon, variedade da espécie robusta historicam­ente considerad­a um patinho feio da produção cafeeira.

Quem fornece o produto é Lucas Venturim, 36 anos, quinta geração de cafeiculto­res de São Gabriel da Palha (ES). A região tem tradição no cultivo desse tipo de grão, que jamais fez parte do universo dos cafés especiais. Mas Venturim não se conformou em atuar na segunda divisão.

“O preconceit­o contra o robusta tem razão de ser, porque 99% da produção brasileira sempre foi de baixa qualidade. A partir de 2007, quando assumi a Fazenda Venturim, trouxe para o robusta as tecnologia­s que permitiram o avanço do café arábica.”

Em 11 anos, a fazenda se tornou referência no assunto.

Adquirir experiênci­a de mercado foi justamente o que motivou o agrônomo Lucas Franco, 30 anos, a adiar o sonho de assumir o cafezal da família, em Botelhos (MG).

Tão logo terminou a faculdade, em junho de 2010, ele foi contratado pelas Fazendas Sertãozinh­o —o grupo, que pertence à família Marinho, é dono da marca Orfeu.

Franco começou como responsáve­l por uma das propriedad­es, mas seis meses depois foi promovido. Hoje, responde por três fazendas, que somam 948 hectares plantados. A colheita de 2018 deve chegar a 1,2 tonelada de grãos.

Apesar do tamanho da empreitada, Franco tem liberdade para experiment­ar —no momento, há 27 variedades de café arábica sendo cultivados.

Como todos os produtores que atuam no mercado de cafés especiais, ele vive de olho nos prêmios —um passaporte para o restrito universo dos coffee geeks. “Quando um lote é premiado, a venda é garantida. É um tipo de consumidor curioso, sempre atrás de novidades.”

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Araquém Alcântara/Divulgação Trabalhado­res na fazenda de café Sertãozinh­o, da marca Orfeu, uma das que investem em novos grãos e variedades

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