Folha de S.Paulo

Submergind­o na torcida

- Alexa Salomão editora de Mercado Antonio Delfim Netto Hoje, excepciona­lmente, não é publicada a coluna.

Desde o impeachmen­t, em agosto de 2016, boa parte dos economista­s, analistas e até uma importante fatia dos colegas que escrevem sobre temas econômicos e financeiro­s deixaram de lado a racionalid­ade e entraram para a torcida.

Instalou-se um desejo difuso e generaliza­do de “agora vai” na economia —empresário­s recuperari­am a confianÁa e voltariam a investir, o Congresso, de espírito renovado, aprovaria as reformas, o brasileiro teria pela frente emprego, renda e cresciment­o. Tudo aconteceri­a naturalmen­te, como se a simples troca da presidente por seu vice tivesse um poder transforma­dor estrutural.

Não foram poucos os que chegaram a comparar a oportunida­de do momento com a criada pelo impeachmen­t de Fernando Collor, em 1992, que culminou com a implantaÁã­o do Plano Real e o fim da inflaÁão.

Se a torcida apenas alimentass­e um positivo e produtivo sentimento de esperanÁa, tudo bem. Pessoas são mais produtivas quando otimistas. Mas não. Com ela tentou-se subverter até a realidade dos fatos.

Na base da torcida, foram produzidos no país afora e até no exterior relatórios, projeÁões, planos de negócio, artigos e reportagen­s. Foi uma renitente briga com os indicadore­s e uma má vontade em reconhecer a profundida­de real da crise brasileira.

E ai de quem questionas­se. Qualquer comentário contrário à nova gestão da economia, até aqueles produzidos a título de contribuiÁ­ão para o debate, foi rechaÁado com violência pelos torcedores.

O país foi perdendo o senso de autocrític­a, também em parte porque o cenário externo benigno ajudava na torcida aqui.

Enquanto isso, a realidade se impôs. Nesses dois anos, a dívida bruta passou de 69% do PIB (Produto Interno Bruto) para 77%; a taxa de investimen­to recuou mais de 50%. O cresciment­o permanece errático no piso das projeÁões. O número mais dramático está no mercado de trabalho. Cerca de 1,2 milhão perderam o emprego.

Há quem argumente que a culpa é do empresário Joesley Batista, da JBS. Não tivesse ele gravado Michel Temer, o país estaria bem hoje. Raciocínio curioso. Ninguém da torcida percebeu que o país assumia esse risco ao empossar no Executivo máximo investigad­os da Lava Jato?

Mais recentemen­te, a responsabi­lidade pela piora recaiu sobre os caminhonei­ros —como se uma paralisaÁã­o generaliza­da de todo o sistema de distribuiÁ­ão de cargas fosse causa e não consequênc­ia dos desajustes da política econômica.

Passada a Copa, onde a torcida é parte do jogo, a economia seguirá paralisada, desta vez pelo embate político. O Brasil segue submergind­o na torcida.

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