Folha de S.Paulo

OEA relata práticas de terror na Nicarágua

texto antecipado à Folha cita prisões em massa, assassinat­os e repressão sob ortega; crise faz 212 mortos em 83 dias

- Clóvis Rossi

SÃO PAULO A OEA (OrganizaÁã­o dos Estados Americanos) deve aprovar nesta quarta-feira (11) documento fortemente crítico à repressão desatada na Nicarágua pelo governo do presidente Daniel Ortega.

O relatório a ser debatido pelo Conselho Permanente, instância máxima da instituiÁã­o, foi elaborado pelo secretário-executivo da CIDH (Comissão Interameri­cana de Direitos Humanos), o brasileiro Paulo Abrão, que encerrou nesta terÁa-feira (10) uma visita de inspeÁão ao país.

O texto, conforme Abrão antecipou à Folha, vai denunciar “práticas de terror, com detenÁões em massa e assassinat­os”.

Condenará, ainda, “a escalada da violência repressiva com apoio explícito de grupos armados parapolici­ais, a aceleraÁão da criminaliz­aÁão da oposiÁão e dos manifestan­tes e a reduÁão das vias de diálogo por meio da estigmatiz­aÁão da igreja como legítima mediadora social”.

Abrão considera “alarmante” a situaÁão na Nicarágua, o que não é nenhum exagero.

A CIDH compilou 212 mortos até agora desde que se iniciaram os protestos contra o governo de Ortega e de sua mulher, a vice-presidente Rosário Murillo, no dia 19 de abril —ou cinco mortes a cada dois dias. Outras instâncias falam em 310 mortos.

Para tornar ainda mais alarmante o panorama, durante a visita de Paulo Abrão, a repressão atingiu representa­ntes da igreja católica e até o núncio apostólico (o embaixador do Vaticano, portanto), Waldemar Stanislaw Sommertag.

Ele acompanhar­a o cardeal Leopoldo Brener, o bispo auxiliar de Manágua, Silvio Báez, os sacerdotes Miguel Mántica e Edwin Román e Álvaro Leiva, da AssociaÁão Ni- caraguense Pró Direitos Humanos, em visita à cidade de Diriamba, sitiada pelos paramilita­res.

Todos foram atacados. Báez relatou em tuíte: “Assediado por uma turba enfurecida que queria ingressar na basílica San Sebastián em Diriamba, fui ferido, golpeado no estômago, me arrebatara­m as insígnias episcopais e [fui] agredido verbalment­e”.

O bispo auxiliar de Manágua acrescento­u que estava bem, apesar da agressão, e que foram liberados os manifestan­tes sitiados na basílica.

Atacar dignitário­s eclesiásti­cos é um passo que não chegaram a dar mesmo as ditaduras que marcaram o panorama latino-americano nos anos 70 e 80.

Sequestrar­am, prenderam e até mataram sacerdotes tidos como de esquerda, mas bispos, cardeais e os núncios apostólico­s não foram tocados, como regra geral.

O ataque aos representa­ntes da igreja pode ser explicado pelo fato de que tanto Báez como Brener têm papel destacado na crise política em curso. A igreja nicaraguen­se assumiu a mediaÁão no chamado Diálogo Nacional entre o governo e a AlianÁa Cívica pela JustiÁa e a Democracia, um conglomera­do que reúne representa­ntes da sociedade civil, estudantes e grupos empresaria­is.

O diálogo empacou porque Ortega recusa-se a atender a principal reivindica­Áão da AlianÁa Cívica, que é a antecipaÁã­o das eleiÁões, que estão previstas apenas para 2021.

Os representa­ntes da igreja apoiam a antecipaÁã­o. Entende-se, por isso, que o que Báez chama de “turbas enfurecida­s” ataquem-no e a seus colegas.

A OEA poderá analisar, na reunião de seu Conselho Permanente, se defende a antecipaÁã­o das eleiÁões. Mesmo que o faÁa, não é obrigatóri­o que a Nicarágua acate a determinaÁ­ão, mas dará forÁa à oposiÁão no Diálogo Nacional.

O diálogo é considerad­o por todas as partes como a única soluÁão não violenta para a crise.

O bispo Báez diz que, se este processo se romper, a história julgará [os governante­s] “por intransige­ntes, mentirosos e soberbos”. São qualificaÁ­ões semelhante­s aos que os manifestan­tes empregam a respeito do casal governante.

 ?? Marvin Recinos-9.jul.18/AFP ?? Paramilita­res nicaraguen­ses cercam a basílica de San Sebastián, em Diriamba, onde religiosos foram agredidos, segundo OEA
Marvin Recinos-9.jul.18/AFP Paramilita­res nicaraguen­ses cercam a basílica de San Sebastián, em Diriamba, onde religiosos foram agredidos, segundo OEA

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