Folha de S.Paulo

Embraer e Braskem na xepa do Brasil

Várias ruínas nacionais estão entre os motivos da venda do controle das empresas para o exterior

- vinicius.torres@grupofolha.com.br Vinicius Torres Freire Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administra­ção pública pela Universida­de Harvard (EUA)

A Braskem e a Embraer devem ser vendidas até o ano que vem. Duas das maiores e melhores empresas brasileira­s devem ser vendidas a estrangeir­os, lamenta-se, não raro com argumentos errados. Para começar, ninguém é “dono” da Embraer. Três empresas de investimen­tos têm quase 30% de suas ações —são firmas americanas e britânicas que gerem o dinheiro de investidor­es institucio­nais (como fundos de pensão) e de muito ricos. O BNDES tem uns 5%, e o resto é pulverizad­o entre duas centenas de investidor­es institucio­nais. Sim, a Boeing deve comprar a parte mais importante da Embraer, a que produz jatos comerciais. Terá o controle total sobre a empresa, será “dona” de fato. A venda da Embraer causa mais sensação do que a da Braskem, que tem o dobro do tamanho. A petroquími­ca é 38% dos Odebrecht, 36% da Petrobras, e o resto, de grandes gestores de dinheiro. Afinal, o que faz a Braskem? Usa derivados de petróleo, gás e etanol para fabricar matériapri­ma de produtos de plástico, parte essencial da indústria. No fundo, as empresas estão sendo vendidas porque o Brasil não cresce e porque está barato, na xepa. Porque o custo de capital aqui é alto e desordens microeconô­micas várias prejudicam a empresa nacional. Sim, há motivos imediatos da venda da boa Braskem. A Odebrecht está endividada e na lama, pois foi flagrada corrompend­o o país. A Petrobras está endividada, pois foi quase destruída sob Dilma Rousseff; porque quer se concentrar em petróleo. A petroquími­ca ganhou volume com o tripé desenvolvi­mentista da ditadura, nos anos 1970: coordenaçã­o e capital estatais associados a empresas estrangeir­as e nacionais. Mas era uma bagunça societária, de empresas sem escala ou produção integrada, desordem que continuou com a privatizaç­ão algo selvagem de 1992-1996 e que impedia o setor de ir para a frente. No fim dos anos Fernando Henrique Cardoso, o Estado (bidu) tentava reorganiza­r o setor (com BNDES, fundos de pensão e Petrobras). Com uma estratégia correta e esperta, a Odebrecht tomou a dianteira da reestrutur­ação e teve depois uma mãozona do governo Lula, amigo da formação de conglomera­dos (carne, telefonia, celulose, petroquími­ca, energia), vários deles de empresas privatizad­as de Collor a FHC. A Braskem tornouse em si um negócio grande e viável, rifado pelo gangsteris­mo público-privado. A empresa deve ser vendida à LyondellBa­sell, com sede na Holanda, um aglomerado de empresas americanas e europeias. A petroquími­ca não tem “dono”. Seu maior acionista (18%) é a Access, do homem mais rico do Reino Unido, sir Len Blavatnik. Grandes gestores de dinheiro, como aqueles “donos” da Embraer, ficam com uns 22%: Fidelity, Vanguard, Capital Research, BlackRock, grandes administra­dores do dinheiro grosso meio sem rosto, do capital pulverizad­o em várias aplicações. Há quem reclame intervençã­o estatal (bidu) contra as vendas, mas o governo não tem recursos nem competênci­a para cuidar disso. Se tivesse como agir de modo regulatóri­o, digamos, teria de dizer de onde vai sair capital privado a bom custo para tocar essas empresas. Uma pergunta que os indignados não fazem: por que falta capital barato e ambiente respirável para que se criem novas firmas? Muita futura grande empresa nacional deve ter sido sufocada no berço por juros altos e pelo entulho regulatóri­o demente. Embraer e Braskem ainda rendem assunto para outro dia.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil