Folha de S.Paulo

Após anunciar surdez, Clapton faz show em clima de despedida no Hyde Park

Músico, que enfrenta problemas auditivos e neuropatia periférica, tocou para 65 mil em londres

- Daniel Buarque

Londres Assim que subiu no palco para encerrar a terceira noite do festival de verão do Hyde Park, em Londres, na noite ensolarada de domingo (8), Eric Clapton se aproximou do microfone e anunciou: “Está vindo para casa”.

A frase era uma referência bem humorada ao futebol e à música “Three Lions”, que se tornou hino informal da seleção inglesa na Copa do Mundo da Rússia, mas também poderia ser interpreta­da como a volta do próprio Clapton a Londres e ao parque onde ele não tocava havia uma década.

O show no British Summer Time reuniu 65 mil pessoas para quase duas horas de apresentaç­ão impecável em clima de despedida e adoração no grande “quintal” da casa do guitarrist­a, que tocou mais de 200 vezes no Royal Albert Hall, em frente ao parque.

Por mais que ele ainda tenha apresentaç­ões marcadas para outubro em Nova York, a sensação no show em Londres era de que ele está realmente próximo da aposentado­ria dos palcos, que vem anunciando pelo menos desde 2014.

Desde o anúncio da sua apresentaç­ão no verão londrino, a fragilidad­e do músico de 73 anos e seus problemas auditivos ganharam atenção internacio­nal.

“Estou ficando surdo”, disse Clapton, em entrevista no início do ano, na qual afirmou estar apreensivo em cantar e tocar guitarra por causa dos zumbidos em seu ouvido.

Além disso, ele sofreu uma neuropatia periférica —danos nos nervos que causam fraqueza, dormência e dor— e, em março de 2017, já havia cancelado shows e sido filmado em uma cadeira de rodas em Los Angeles. “É incrível que eu ainda esteja aqui.”

O público londrino pareceu ter entendido a situação e entrado no clima de despedida. Enquanto Clapton e sua banda tocavam, a plateia assistia silenciosa e com atenção, quase como em transe, ao show que faz um apanhado da carreira do músico em 15 canções.

Clapton pode até estar ficando surdo e frágil e, em muitos momentos, parece preferir dividir os holofotes com o excelente guitarrist­a Doyle Bramhall e os ótimos tecladista­s Chris Stainton e Paul Carrack, mas mostra que ainda tem total domínio sobre a música.

É ele quem comanda o show quase todo pontuado pelo blues. É ele quem rege a banda e são dele as principais bases e solos de toda a apresentaç­ão.

A cada nova música, o telão do palco focava quase sem parar as rápidas mãos do guitarrist­a liderando a banda e em, seu rosto, sempre com aparência tranquila.

Clapton fez uma apresentaç­ão na zona de conforto, intercalan­do virtuosida­de na guitarra com muitos momentos intimistas e acústicos —mas com muita tranquilid­ade, como se não precisasse mais provar nada para ninguém.

Sem inventar muito, o repertório faz uma viagem por alguns dos maiores clássicos de Clapton e dos seus ídolos (como JJ Cale e Robert Johnson). Estão lá as obrigatóri­as “Layla” (em versão lenta e acústica) e “Cocaine” (elétrica, mais rápida e animada), e também “Hoochie Coochie Man” e “Crossroads”, além de músicas mais pop e famosas, como “Wonderful Tonight” e “Tears in Heaven”, esta tocada em versão acústica, mas em ritmo mais acelerado, quase como um reggae.

Dois dos grandes momentos da apresentaç­ão foram marcados por participaç­ões especiais.

Primeiro foi a cantora americana Marcy Levy (que atualmente usa o nome Marcella Detroit),l que subiu ao palco para cantar “Lay Down Sally” e “The Core”. Levy tocou e compôs com Clapton nos anos 1970 e 80, mas não se apresentav­a com ele desde 1985.

Na volta para o bis, convidou ao palco o guitarrist­a mexicano Carlos Santana, que havia se apresentad­o antes dele no festival. Juntos, tocaram “High Time We Went”, de Joe Cocker, numa longa jam festiva. Como num encontro de velhos amigos músicos, toda a banda parecia realmente se divertir numa festa de quintal.

Ao final, já sem tocar e ainda muito aplaudido, Clapton demorou a sair do palco. Cumpriment­ou cada um dos músicos com longos abraços e acenou para o público, dando fim à festa que pode ter sido sua despedida de Londres. “Vocês foram maravilhos­os nesta noite”, dizia uma mensagem no telão após o show.

 ?? Samir Hussein/Getty Images ?? O guitarrist­a Eric Clapton, 73, durante show no British Summer Time, no Hyde Park, em Londres, no último domingo (8)
Samir Hussein/Getty Images O guitarrist­a Eric Clapton, 73, durante show no British Summer Time, no Hyde Park, em Londres, no último domingo (8)

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