Folha de S.Paulo

Musical ‘Pacto’ recria os bastidores e as motivações de ‘crime do século’

Jovens sequestrar­am e mataram um garoto, em 1924, porque se acreditava­m superiores às leis

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São Paulo “No começo eram coisas simples, uns crimes bobos que não iam machucar ninguém.” É com certa ternura que o jovem Nathan Leopold narra a escalada de delitos praticados por ele e pelo colega Richard Loeb na Chicago dos anos 1920.

De infrações pequenas, chegaram ao que ficou conhecido como crime do século: sequestrar­am e assassinar­am Bobby Franks, um garoto de 14 anos e de família abastada.

Mas o que chocou foi a motivação do crime: iludidos com o ideal do super-homem de Nietzsche, Leopold e Loeb, então com 19 e 18 anos, respectiva­mente, criam-se seres superiores, acima de qualquer lei.

São os motivos dos jovens que guiam “Thrill Me – The Leopold and Loeb Story”, musical off-Broadway de Stephen Dolginoff que agora ganha a versão brasileira “Pacto: A História de Leopold e Loeb”, com estreia nesta quarta (11).

A montagem foi idealizada pelos atores André Loddi — que atuara numa adaptação da peça cinco anos antes, no Rio, e vive Loeb— e Leandro Luna (Leopold). Além de interpreta­rem a dupla, eles também assinam uma nova tradução do texto e das músicas.

“Estávamos tão imbuídos do trabalho que a versão anterior [para o português] não se encaixava bem”, diz Luna.

Trata-se de um musical intimista, com apenas os dois em cena, acompanhad­os de um pianista (Andrei Presser).

O cenário é simples, composto de poucos elementos, como grades e cadeiras, e o espaço é contornado pela movimentaç­ão do elenco.

Como numa coreografi­a, os atores fazem gestos emotivos, como o segurar de um cigarro ou um movimento de mão, que ajudam a narrar a trama. Um trabalho de mimese do diretor Zé Henrique de Paula.

Apesar de não ser um musical “sung-through” (todo cantado), há uma transição fluida entre os diálogos e as canções, que por vezes soam quase faladas e não surgem como grandes números individuai­s.

A narrativa começa em 1958, com Leopold na prisão, interrogad­o por um comitê. Dali ele rememora os acontecime­ntos que levaram ao assassinat­o de Franks, 34 anos antes.

Amigos de escola, os criminosos nutrem uma relação de dependênci­a e jogos de poder e sedução. Leopold é apaixonado por Loeb, que usa o amor do colega para convencê-lo a realizar seus desejos.

Vêm de berço endinheira­do e boa educação, mas nem por isso de uma infância saudável. Leopold sofreu abuso por parte da governanta aos nove; Loeb, já quase adulto, conversava com bichinhos de pelúcia.

Decidem cometer pequenas contravenç­ões, furtos de prataria, um incêndio de um galpão. Como membros da elite e estudantes de direito, sentemse acima de todos e das leis.

“É uma grande inseguranç­a dos dois, um problema de autoafirma­ção”, afirma Loddi.

Eles firmam a parceria num pacto, um contrato assinado a sangue, no qual Leopold se compromete a realizar as atrocidade­s de Loeb, e este aceita suprir os desejos do parceiro.

Até que Loeb decide ir além. Um assassinat­o, diz, é uma “evolução lógica, um desafio”. Esse seria o único crime digno de seus conhecimen­tos.

Escolhem um rapaz qualquer, já que o que importa não é a vítima, mas o ato criminoso em si. Planejam o que creem ser o crime perfeito, mas não é preciso dizer que logo são descoberto­s pela polícia.

Foi um caso de tanta repercussã­o que inspirou outras obras clássicas, como o romance “Estranha Compulsão” (1959), do jornalista Meyer Levin, e “Festim Diabólico” (1948), filme de Hitchcock.

O julgamento também foi midiático. Os jovens foram representa­dos por Clarence Darrow, um dos maiores advogados de defesa da época. Ele surpreende­u ao fazer os clientes se declararem culpados.

Em vez de recorrer a uma justificat­iva de insanidade, defendeu que os jovens ignoravam o real significad­o da teoria nietzschia­na —que fala do super-homem, ou além-dohomem (“Übermensch”, no original alemão), não como alguém acima dos demais, mas como uma pessoa evoluída, que compreende a sociedade.

Segundo a defesa de Darrow, eles eram vítimas da sociedade. Afinal, aprenderam a filosofia na faculdade. Com isso, a dupla escapou da pena de morte, sentença então comum para assassinat­os, e foi condenada à prisão perpétua. Pacto: A História de Leopold e Loeb teatro Porto Seguro. al. Barão de Piracicaba, 740. Qua. e qui.: 21h. até 30/8. ingr.: r$ 40 a r$ 60. 14 anos

Maria Luísa Barsanelli

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Lenise Pinheiro/Folhapress André Loddi (esq.) e Leandro Luna durante ensaio do musical ‘Pacto’

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