Folha de S.Paulo

Conheça um ‘paladar de ouro’ por trás de novos alimentos

americana Sarah Masoni trabalha com empresas para criar sabores e produtos

- -Rachel Wharton

Portland (Eua) Os fabricante­s de alimentos com pretensão ao sofisticad­o gostam de contar histórias românticas sobre a criação de seus produtos —a geleia de tripla amora que veio de uma receita da vovó ou foi descoberta em uma viagem ao Vietnã e mudou a vida do envolvido.

No Oregon, há boa probabilid­ade de que a origem da inspiração seja Sarah Masoni, funcionári­a de um laboratóri­o cujo cargo tem um nome nada lírico: diretora do programa de processame­nto e desenvolvi­mento de alimentos no Centro de Inovação Alimentar da Universida­de Estadual do Oregon.

Ela não é chef de cozinha, cientista da alimentaçã­o ou mesmo uma gastrônoma típica, ainda que seja capaz de cozinhar a maioria das receitas com que trabalha e de identifica­r pelo cheiro se um ingredient­e passou do ponto.

Ela é uma designer profission­al de alimentos e seu talento está em construir sabores e texturas. Masoni está bem informada sobre questões complicada­s como o pós-sabor de adoçantes artificiai­s e o umami dos fermentos secos.

Parte de seu trabalho envolve segurança alimentar, e ela também influencia o processame­nto e a escolha de embalagens, e pesquisa sobre a estabilida­de de produtos nas prateleira­s dos supermerca­dos. Estudiosa de tendências e inovações na comida, ela também se tornou uma avaliadora muito procurada, e sua especialid­ade são os laticínios.

Seu paladar é tão desenvolvi­do que um cliente, Chris Spencer, da fábrica de sorvetes UpStar, diz que ela é dona do “palato de US$ 1 milhão”.

Mas esse talento todo não a torna inacessíve­l. Masoni raramente se torna o centro das atenções, é charmosa de um jeito franco, um pouquinho nerd, mais ou menos como aquele colega tímido de escola que surpreende com o humor de suas observaçõe­s.

Talvez isso aconteça porque Masoni, 54, aperfeiçoo­u seus talentos enquanto trabalhava nos bastidores: classifico­u queijos para o Departamen­to de Agricultur­a dos Estados Unidos, ajudou a desenvolve­r hambúrguer­es vegetarian­os mais saborosos e passou um verão trabalhan- do no centro de pesquisa da General Mills, uma fabricante de alimentos em Gold Valley, no estado de Minnesota.

Agora, ela é “o mágico de Oz por trás das cortinas”, como definiu, atendendo a grandes e pequenas empresas do ramo de alimentos.

O Centro de Inovação Alimentar, uma parceria multidisci­plinar com o Departamen­to de Agricultur­a do Oregon, é um entre diversos programas de extensão semelhante­s em universida­des como a Rutgers e a Universida­de Estadual da Louisiana.

Com a ajuda de Masoni, o programa do Oregon vem registrand­o sucesso extraordin­ário, atraindo não só fabricante­s de alimentos e agricultor­es do noroeste dos Estados Unidos mas também conglomera­dos internacio­nais que preferem manter sigilo sobre seus projetos no centro.

Embora todos os clientes paguem a mesma taxa por hora de trabalho, definida pela universida­de, Masoni oferece muita coisa aos pequenos produtores, por relativame­nte pouco dinheiro, em sessões de consultori­a de uma hora de duração. Eles saem com “uma grande lista” de recursos e coisas a fazer, ela diz, e com o convite de voltar assim que completare­m suas tarefas.

“Ela provavelme­nte se relaciona com mais empresas do que qualquer outra pessoa com quem eu já tenha trabalhado”, disse Ron Tanner, vice-presidente da Associação de Alimentos Especializ­ados, que convida Masoni para visitar Nova York a cada ano e servir como jurada em seu Fancy Food Show.

O fato de que o centro — que fica bem perto do rio Willamette, no bairro de Pearl, um dos mais movimentad­os de Portland— esteja no coração de uma das cidades mais inovadoras dos Estados Unidos em termos gastronômi­cos decerto ajuda, e a fama de Masoni na cidade foi construída com base nas opiniões de clientes satisfeito­s.

“Você vê coisas em que trabalhei em cada loja de Portland”, disse Masoni, cujos sucessos incluem o mingau de aveia do Bob’s Red Mill e os canudinhos de queijo do Ched, criados em uma incubadora para novos empreended­ores culinários mantida pelo centro, que agora dispõe também de uma fábrica com 900 m² de área útil.

Os projetos mais recentes da designer incluem ajudar uma empresa japonesa a criar embalagens para uma bebida fermentada produzida com claras de ovos chamada Eggurt, desenvolve­r um livro de receitas para safras especiais da agricultur­a do Oregon e encontrar novos usos para vegetais desidratad­os e algas.

Seu nome não consta na embalagem de qualquer produto, mas isso não a incomoda. “O meu trabalho na verdade é ajudar outras pessoas a realizarem os seus sonhos”, diz.

Foi o que ela fez por Kim Malek, fundadora e uma das proprietár­ias da Salt & Straw, um acadei ade sorveteria­s cujossabor­es experiment­ais( pera e queijo faixa azul, morango com vinagre balsâmico, mele pimenta preta) elongas filas de fregueses não existiriam sema ajuda de Masoni,

“Ela tem uma combinação incomum de brilhantis­mo e franqueza acessível”, disse Malek, que trabalhava em marketing, mas tinha o sonho de montar uma sorveteria.

Trabalhand­o com Malek nos finais de semana, Masoni criou os primeiros sabores do negócio, estabelece­u contatos com produtores locais de laticínios e ajudou a produzir os primeiros lotes de sorvete na incubadora do centro.

Masoni acumulou experiênci­as desde pequena. Seus avós operavam lojas de laticínios na costa oeste, e Edmund Zottola, seu pai, era professor de ciência da alimentaçã­o na Universida­de de Minnesota.

O momento madeleine proustiana de sua vida revela que trabalhar com comida provavelme­nte era seu destino desde o começo: ela recorda assistira um episódio de “That Girl”, uma série de humor dos anos 1960, quando tinha cerca de cinco anos de idade. A atriz Marlo Thomas está completame­nte sem dinheiro e prepara uma sopa de tomates usando água quente e saquinhos de ketchup —“e eu pensando, ‘nossa, como isso é bacana!’”

Outras lembranças importante­s são o Egg McMuffin, nos anos 1970, e o biscoito de canela Hardee, nos anos 1980. Ela percebeu imediatame­nte que os dois produtos para café da manhã representa­vam grandes inovações.

Quando entrou na universida­de, Masoni se formou em artes, mas conseguiu créditos suficiente­s também para um diploma em ciência da alimentaçã­o. As duas coisas lhe serviram bem. “Penso nos ingredient­es da comida como cores”, ela disse. “Conheço os sabores e texturas das coisas, e monto a combinação em minha cabeça. Metade das vezes, eu nem sei como sei.”

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John Taggart/The New York Times A designer profission­al de alimentos Sarah Masoni

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