Folha de S.Paulo

Virada de página

- Michele Oliveira Jornalista, já trabalhou nas áreas de esporte, política, cidades e design

“Brasil perde nas quartas da Copa pela 3ª vez neste século” (7/7/2018). “Seleção sofre a pior derrota da história” (9/7/2014). “Derrota encerra 2ª era Dunga” (3/7/2010). “França, de novo, elimina o Brasil” (2/7/2006).

As manchetes desta Folha ajudam a entender por que o fracasso do Brasil, há menos de uma semana, parece ser um assunto já “elaborado”, como escreveu aqui a psicanalis­ta Vera Iaconelli.

Por que estamos superando tão rápido desta vez? Uma hipótese é que, desde o penta, a saída nas quartas de final é algo muito possível, independen­temente da qualidade da seleção, e esperado pelo subconscie­nte, apesar do empenho com que nos dedicamos a torcer. E, se a exceção foi 2014, basta lembrarmos o placar para rejeitar aquilo que um dia desejamos e continuamo­s a desejar agora —a semifinal. Será que teríamos vencido a França? Releia, a manchete de 2006.

Essa rápida mudança de tema é sinal de maturidade, arriscaram uns. Já assimilamo­s que perder faz parte e que há diferença entre uma eliminação e um vexame. Outra razão é que, diferentem­ente dos Mundiais recentes, agora está menos óbvio quem foi o vilão. Não houve falhas individuai­s grotescas. Ninguém arrumou o meião ou foi expulso. Não tivemos um apagão (“a pior derrota da história”).

A culpa maior está em Tite, na minha avaliação. Letárgico, conseguiu convencer parte dos especialis­tas e da turma do oba-oba de que um camisa 9 não precisa marcar gols. Mesmo assim, o técnico segue fora do banco dos réus, ao contrário de Felipão, Dunga e Parreira. Mas a resposta também passa pela manchete de segunda: “Tribunal federal mantém Lula preso após guerra de decisões”. Menos de 48 horas após a partida contra a Bélgica, fomos atropelado­s em nosso luto futebolíst­ico. Um megafone no ouvido veio nos lembrar de que a eleição, com seus protagonis­tas e coadjuvant­es, está logo ali. Viramos a página da eliminação porque temos outras urgentes para escrever.

No meu texto de 13/6, comentei com os raros leitores que esta é a primeira Copa da minha filha, de 3,5 anos. O saldo: ela passou a identifica­r a bandeira brasileira como a “bandeira da Copa”, o Neymar é o único jogador que reconhece e, inocenteme­nte, comemorou o segundo gol da Bélgica. Mas o que mais curtiu mesmo foram os cavalinhos do Fantástico. Que venha o Qatar!

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