Folha de S.Paulo

Sucesso inglês na Copa vira bandeira diante de crise política, diz escritor

- -Daniel Buarque

Londres A Copa do Mundo da Rússia está criando uma disputa política na Inglaterra em torno da narrativa do avanço da seleção no torneio, afirma o escritor inglês Alex Bellos, 49.

Enquanto um grupo tenta usar as vitórias para mostrar a excepciona­lidade do país em meio à separação da União Europeia, outro tenta mostrar que a seleção é formada em grande parte por imigrantes, que ajudam a fortalecer um país multicultu­ral, diz.

Formado em matemática e filosofia por Oxford, Bellos é autor do livro “Futebol: O Brasil em Campo” (Ed. Zahar), escrito enquanto viveu cinco anos no Brasil trabalhand­o como jornalista. O livro faz um retrato do país usando o futebol como ponto de partida.

Qual sua impressão sobre o clima geral de empolgação dos ingleses com a Copa?

As pessoas estão empolgadas e mal acreditam, mas, mesmo assim, não estão parecendo triunfalis­tas como no passado. Há poucas bandeiras da Inglaterra nas ruas. Minha principal percepção, entretanto, é pelas lentes do que está acontecend­o na sociedade inglesa e britânica. É impossível ver qualquer coisa na cultura política sem falar sobre o “brexit” [o processo de rompimento do Reino Unido com a União Europeia] e as imensas divisões na sociedade.

Assim como se fala muito no Brasil, há expectativ­a de que o que acontece em campo tenha reflexos na sociedade e na política. Se a seleção vai bem, há a expectativ­a de que o governo se beneficie disso. Se vai mal, pode atrapalhar os planos do governo.

Como acha que vai se dar essa influência?

O que temos aqui na Inglaterra é uma disputa pela narrativa da Copa e de como isso vai influencia­r a política. Por um lado, há o discurso de que a Inglaterra é um país pequeno e isolado, mas capaz de alcançar muito mais do que se espera dela, e por isso não precisa do resto do mundo, e a separação da União Europeia será brilhante.

Já vemos alguns comentaris­tas de direita fazendo discursos assim. Por outro lado, os liberais, de esquerda, argumentam que o time é formado por quase metade de jogadores negros. Harry Kane, principal estrela do time, tem ascendênci­a irlandesa, Raheem Sterling nasceu na Jamaica, e muitos outros são de segunda ou terceira geração de imigrantes.

Esta outra narrativa é parecida com a da França em 1998, indicando que este time é a representa­ção perfeita da Inglaterra multicultu­ral. No momento, é difícil saber qual narrativa vai ganhar.

No começo da Copa, a impressão era que os liberais e intelectua­is tinham medo de que a Inglaterra fosse bem, pois a seleção poderia ser usada pela direita, e hooligans sairiam destruindo tudo, mostrando o pior do país. Como o avanço está gerando uma reação diferente, mais saudável, e o principal tema é este de que o “futebol está vindo para casa”, as coisas mudaram.

Enquanto falamos da empolgação inglesa, o Brasil foi desclassif­icado. Acha que isso muda a forma como o país é visto em termos de futebol?

Quem viu o jogo contra a Bélgica viu que o Brasil jogou bem, então não pesa tanto sobre a força do futebol do Brasil. Foi uma forma respeitáve­l de deixar a Copa. Por outro lado, o mais marcante foi que Neymar acabou visto como um simulador, mais preocupado com o cabelo e com a imagem, e que cai sempre que alguém toca nele.

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Kai Pfaffenbac­h/Reuters Lovren, com calção abaixado de surpresa pelo zagueiro Vida, carrega Luka Modric após vitória sobre a Rússia

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