Sucesso inglês na Copa vira bandeira diante de crise política, diz escritor
Londres A Copa do Mundo da Rússia está criando uma disputa política na Inglaterra em torno da narrativa do avanço da seleção no torneio, afirma o escritor inglês Alex Bellos, 49.
Enquanto um grupo tenta usar as vitórias para mostrar a excepcionalidade do país em meio à separação da União Europeia, outro tenta mostrar que a seleção é formada em grande parte por imigrantes, que ajudam a fortalecer um país multicultural, diz.
Formado em matemática e filosofia por Oxford, Bellos é autor do livro “Futebol: O Brasil em Campo” (Ed. Zahar), escrito enquanto viveu cinco anos no Brasil trabalhando como jornalista. O livro faz um retrato do país usando o futebol como ponto de partida.
Qual sua impressão sobre o clima geral de empolgação dos ingleses com a Copa?
As pessoas estão empolgadas e mal acreditam, mas, mesmo assim, não estão parecendo triunfalistas como no passado. Há poucas bandeiras da Inglaterra nas ruas. Minha principal percepção, entretanto, é pelas lentes do que está acontecendo na sociedade inglesa e britânica. É impossível ver qualquer coisa na cultura política sem falar sobre o “brexit” [o processo de rompimento do Reino Unido com a União Europeia] e as imensas divisões na sociedade.
Assim como se fala muito no Brasil, há expectativa de que o que acontece em campo tenha reflexos na sociedade e na política. Se a seleção vai bem, há a expectativa de que o governo se beneficie disso. Se vai mal, pode atrapalhar os planos do governo.
Como acha que vai se dar essa influência?
O que temos aqui na Inglaterra é uma disputa pela narrativa da Copa e de como isso vai influenciar a política. Por um lado, há o discurso de que a Inglaterra é um país pequeno e isolado, mas capaz de alcançar muito mais do que se espera dela, e por isso não precisa do resto do mundo, e a separação da União Europeia será brilhante.
Já vemos alguns comentaristas de direita fazendo discursos assim. Por outro lado, os liberais, de esquerda, argumentam que o time é formado por quase metade de jogadores negros. Harry Kane, principal estrela do time, tem ascendência irlandesa, Raheem Sterling nasceu na Jamaica, e muitos outros são de segunda ou terceira geração de imigrantes.
Esta outra narrativa é parecida com a da França em 1998, indicando que este time é a representação perfeita da Inglaterra multicultural. No momento, é difícil saber qual narrativa vai ganhar.
No começo da Copa, a impressão era que os liberais e intelectuais tinham medo de que a Inglaterra fosse bem, pois a seleção poderia ser usada pela direita, e hooligans sairiam destruindo tudo, mostrando o pior do país. Como o avanço está gerando uma reação diferente, mais saudável, e o principal tema é este de que o “futebol está vindo para casa”, as coisas mudaram.
Enquanto falamos da empolgação inglesa, o Brasil foi desclassificado. Acha que isso muda a forma como o país é visto em termos de futebol?
Quem viu o jogo contra a Bélgica viu que o Brasil jogou bem, então não pesa tanto sobre a força do futebol do Brasil. Foi uma forma respeitável de deixar a Copa. Por outro lado, o mais marcante foi que Neymar acabou visto como um simulador, mais preocupado com o cabelo e com a imagem, e que cai sempre que alguém toca nele.
Leia mais em Mundo