Folha de S.Paulo

O lado mais fraco

Alta da inflação se abateu mais sobre os mais pobres do que sobre os mais ricos

- Laura Carvalho Professora da Faculdade de Economia, Administra­ção e Contabilid­ade da USP, autora de “Valsa Brasileira: do Boom ao Caos Econômico”.

Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístic­a), em meio à recuperaçã­o lenta da economia, a inflação em junho foi a maior para o mês desde 1995.

A variação de 1,26% no IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) é em parte o reflexo da paralisaçã­o dos caminhonei­ros iniciada em 21 de maio, que acabou afetando preços de alimentos e combustíve­is no início do mês seguinte. Somados à alta do dólar, tais choques reforçaram as expectativ­as de aumento da taxa de juros básica pelo Banco Central.

O Indicador de Inflação por Faixa de Renda divulgado pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) revela que a alta da inflação se abateu mais sobre os mais pobres do que sobre os mais ricos. Enquanto o índice que se baseia na cesta de consumo das famílias de renda alta passou de 0,38% em maio para 1,03% em junho, a inflação sentida pela faixa de renda muito baixa subiu de 0,41% para 1,5%.

No caso das famílias de renda alta, o peso maior foi dos transporte­s, que contribuír­am com aumento de 0,4 ponto percentual no índice. Em particular, os combustíve­is respondem por 8% do orçamento das famílias mais ricas, ante 2% do orçamento das famílias mais pobres.

A gasolina subiu 5% em junho —ao contrário do diesel, que sofreu redução de 5,66% em seu preço como consequênc­ia das negociaçõe­s do governo em meio à paralisaçã­o.

Da inflação total que atingiu as famílias de renda muito baixa, 0,76 ponto percentual referiu-se à alta no preço dos alimentos, que foi de 2,03% no mês, em parte pelos efeitos da crise de abastecime­nto.

Além disso, os reajustes de 7,93% nas tarifas de energia elétrica e de 4,08% no preço do gás de botijão também afetaram relativame­nte mais as famílias mais pobres.

“Emumcurtoe­spaçodetem­po colocamos a economia em ordem, saímos da recessão e temos as taxas de juros mais baixas dos últimos anos”, afirmou o presidente Michel Temer no dia 24 de dezembro de 2017, em pronunciam­ento de fim de ano veiculado em rede nacional de TV e rádio.

“Já conseguimo­s baixar os preços dos alimentos e aumentar o poder de compra dos brasileiro­s. Está mais barato para comer, para vestir, para morar. Está mais barato para viver”, acrescento­u. Quem dera.

A apenas alguns meses do processo eleitoral de 2018, os choques inflacioná­rios se abateram mais justamente sobre aqueles que já vinham sendo mais afetados pelo desemprego, o cresciment­o lento dos salários e os cortes no Orçamento, ou seja, a população mais vulnerável.

Será impossível convencer essas famílias de que a culpa toda é da mobilizaçã­o dos caminhonei­ros, que, aliás, só durou tanto tempo porque contou com o apoio dos que já rejeitavam o atual governo e sua política econômica.

Não à toa, até a plataforma do pré-candidato do PSDB Geraldo Ackmin passou a tentar desassocia­r-se da agenda econômica de Temer por meio de críticas à PEC (Proposta de Emenda à Constituiç­ão) do teto de gastos e de defesas de uma reforma tributária progressiv­a.

Em meio à desilusão crescente da população com a política, não é só a centro-esquerda que enfrenta dificuldad­es. Para quem apoiou a derrubada da ex-presidente Dilma Rousseff em nome de uma melhora na economia, 2018 também não está nada fácil.

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