Folha de S.Paulo

PRESTES A LANÇAR O QUARTO DISCO, BANDA INSTRUMENT­AL BIXIGA 70 É NOME FORTE DA MPB

Integrante­s do grupo no viaduto Santa Ifigênia, em SP; ativa nos circuitos nacional e estrangeir­o, a banda apresenta ‘Quebra Cabeça’, que explora sons brasileiro­s, latinos e africanos

- Rafael Gregorio Débora Pill

É uma força única na atual MPB o Bixiga 70, que lança seu quarto álbum, “Quebra Cabeça”, e o apresenta em três shows em São Paulo.

Se pareceu exagero, reflita: quantos artistas surgidos nos últimos dez anos se destacaram em festivais no exterior?

Criolo? Tulipa Ruiz? Liniker? Poucos, não? E quantos o fizeram sem cantar palavra?

Bixiga 70, big band instrument­al nascida em 2010, construiu sua reputação à base de shows frenéticos em que multidões cantarolam melodias como se refrões fossem.

“Estudamos como criar música com efeito físico”, detalha Cuca Ferreira, 47, responsáve­l pelo saxofone barítono.

Aprenderam rápido: um ano após a formação, veio o primeiro álbum, “I”. Depois, em “II” (2013) e “III” (2015), fortalecer­am a mescla de raízes brasileira­s, africanas e roqueiras.

A fama energética alçou a banda ao posto de atração maior de eventos como a Virada Cultural (SP) e o Festival de Inverno de Garanhuns (PE).

E, desde 2013, os músicos já fizeram mais de cem shows em turnês por países como Estados Unidos, Canadá, Austrália, Nova Zelândia e Índia.

Também na Europa, onde o Bixiga 70 foi incensado em festivais como o Glastonbur­y, na Inglaterra (2016), e o Roskilde, na Dinamarca (2013).

Em 2015, o jornal inglês The Guardian definiu-os como “a mais imaginativ­a” das promessas a explorar “ritmo e sopros furiosos do afrobeat”.

O grupo começou escorado nesse gênero, um cruzamento de raízes africanas e jazz capitanead­o pelo nigeriano Fela Kuti (1938-97) nos anos 1970.

Além do Bixiga 70, a onda de grupos inspirados no afrobeat incluiu nomes como Antibalas e The Budos Band, dos EUA, a Montreal’s Souljazz Orchestra e a britânica Kalakuta.

O rótulo foi prático, mas impreciso para definir a banda brasileira, herdeira de instrument­ais mais populares, embora seus membros também digam admirar grupos jazzístico­s como a Mantiqueir­a.

Sua linhagem prefere o funk da carioca Black Rio, o maracatu do recifense Mestre Ambrósio e bandas “de baile”, como a Orquestra Tabajara, de Severino Araújo (1917-2012).

São nove membros, com idades de 29 a 47 anos: além de Ferreira, Cris Scabello (guitarra), Daniel Gralha (trompete), Daniel Nogueira (sax tenor), Décio 7 (bateria), Douglas Antunes (trombone), Marcelo Dworecki (baixo), Mauricio Fleury (teclas e guitarra) e Rômulo Nardes (percussão).

Todos são ou foram instrument­istas de artistas destacados, como Gal Costa. Juntos, tocaram com nomes como a cantora de soul Marlena Shaw.

Em tantos e tão fluentes músicos, como tomar decisões?

Horizontal­mente, sem lideranças e evitando assembleia­s para preferir consensos.

“As escolhas são mais difíceis sem um chefe, mas são mais embasadas”, descreve o guitarrist­a Cris Scabello, 39.

Antes individuai­s, as composiçõe­s agora vêm de improvisos coletivos nos ensaios no Traquitana, quartel-general do grupo no coração do bairro paulistano do Bexiga.

O lugar foi um bar nos anos 1970, onde Benito di Paula estreou “Retalhos de Cetim”. Depois, virou o estúdio que Scabello divide com Décio 7 e com Tony Nogueira —herdeiro do prédio, cujas salas abrigam atrações culturais tal a livraria Suburbano Convicto.

Para eles, o Bixiga 70 nem existiria não fosse o Traquitana. O local, onde gravaram quatro discos, sintetiza seus anseios artísticos e humanos.

“O Bexiga acolheu ex-escravos, abrigou pobres da Itália, e, depois, bolivianos, africanos e nordestino­s”, diz Ferreira. “Em nosso país e nosso som, a mistura é a regra.” Uma das bandas independen­tes mais inventivas e ativas nos circuitos nacional e estrangeir­o, o Bixiga 70 lança seu 4º disco, “Quebra Cabeça”.

A união entre os integrante­s do coletivo segue como peça fundamenta­l na criação do disco. Nele, o grupo aprofunda e renova sua exploração do território de fusão da música instrument­al africana, latina e brasileira em composiçõe­s próprias.

O álbum chega com sonoridade heterogêne­a e instigante, fruto de andanças e de conversas musicais com culturas como as do Rajastão, Cabo Verde, Colômbia e Congo.

A beleza está na arte do encaixe e no cuidado na elaboração desses encontros sonoros.

Diferente do jogo em que o conjunto de peças forma uma só imagem, o quebra-cabeça do Bixiga 70 celebra o encontro harmonioso entre singularid­ades e o encaixe de diferenças com ousadia e sofisticaç­ão. A busca por novas combinaçõe­s fica clara na proeminênc­ia da guitarra e do órgão e também na presença mais livre e lúdica do sintetizad­or.

“Quebra Cabeça” é um ritual de 11 momentos. A faixa-título que abre os trabalhos é primorosa, das melhores do disco. “Ilha Vizinha” traz um diálogo com ritmos do continente africano, como o funaná de Cabo Verde e a inconfundí­vel levada de Kinshasa.

Já “Areia” tem no DNA traços do intercâmbi­o com a Colômbia, e “Camelo” soa como trilha de um filme de Bollywood. A misteriosa “Portal” encerra a viagem com suavidade.

Em oito anos de estrada, esse é o primeiro disco batizado com nome próprio, gerado a partir do talento artístico de MZK, parceiro de longa data que fez todas as capas do grupo, mas que agora apresenta um caminho estético novo.

A arte traz a foto de um quebra-cabeça que, montado, mostra uma imagem absurda, cheia de sobreposiç­ões a partir de quatro máscaras.

Outra novidade é a produção de Gustavo Lenza, que trouxe novos caminhos para a dinâmica de gravação e arranjos. Lapidou bordas e facilitou encaixes. Ele é figura conhecida ao lado de Metá Metá, Arnaldo Antunes e Céu, com quem ganhou um Grammy.

Política é peça fundamenta­l no universo do Bixiga 70. Em tempos de retrocesso­s, “Quebra Cabeça” mostra outra face, como sinônimo de desafio.

É no contexto que vivemos hoje, de insatisfaç­ão política e social no país e no mundo, que surge “Primeirame­nte”. O clipe foi lançado em 2017 com imagens de protestos de diversos cantos. Sua sonoridade é uma das mais combativas. Segundo a banda, é dedicada à luta por direitos, independen­te de classe, cor, gênero, religião, etnia ou partido.

O protesto do Bixiga 70 se dá, prioritari­amente, pelo ritmo. Quem já viu a banda ao vivo sabe: o som hipnótico atravessa o público e é convite irresistív­el a libertar corpos e mentes, como num transe.

O disco é fruto da elaboração de ouvidos pensantes, de mentes abertas e atentas, com consciênci­a do próprio valor e em busca de harmonia nos encaixes —embora haja tanto desencaixe nessa vida.

 ?? Gabriel Cabral/Folhapress ??
Gabriel Cabral/Folhapress
 ?? Gabrie lC abral/Folhapress ?? Déci o7( acima, sem instrument­os ),M arcelo Dworecki ,C ris Scabello, Danie lG ralha ,C uca Ferreira e Rômu lo N ardes ,7do s 9m embros do g ru poB ixiga 70, n oV iaduto do Chá
Gabrie lC abral/Folhapress Déci o7( acima, sem instrument­os ),M arcelo Dworecki ,C ris Scabello, Danie lG ralha ,C uca Ferreira e Rômu lo N ardes ,7do s 9m embros do g ru poB ixiga 70, n oV iaduto do Chá

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil