Folha de S.Paulo

Ajuste fiscal amplia chance de reeleição

Com reformas, próximo presidente tem chance elevada de reeleição em 2022

- Samuel Pessôa Pesquisado­r do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e sócio da consultori­a Reliance. É doutor em economia pela USP

O próximo presidente, se fizer o ajuste fiscal, mesmo de baixa qualidade, deve entregar a economia em 2022 em situação melhor. As chances de reeleição serão elevadas.

A economia brasileira tem forte desequilíb­rio fiscal. O Congresso Nacional estabelece­u atribuiçõe­s para o Estado que não conversam com as fontes de receita que este mesmo Congresso definiu.

Temos um impasse. Será necessário criar impostos ou aprovar reformas que reduzam o gasto.

Desde o primeiro ano do governo Dilma, o Congresso tem se recusado a arbitrar esse conflito distributi­vo. Tem rejeitado propostas que reduzam o gasto público, como, por exemplo, a reforma da Previdênci­a, e tampouco aceita criar novos impostos.

O resultado é que a dívida pública cresce e estamos nos aproximand­o do momento em que a política monetária deixará de ser efetiva. Corremos o risco de retornar aos anos 1980 de triste memória.

Será que o novo governo a ser eleito em 2019 fará o ajuste?

Há diversos analistas e operadores do mercado que consideram que o ajuste não ocorrerá. Parte da desvaloriz­ação do câmbio e da pressão sobre os juros domésticos que houve desde maio segue desse entendimen­to.

Penso que cometem um erro. De fato, a situação política deteriorou-se muito. Se o governo Temer já era fraco, a chamada “Ponte para o Futuro”, o seu programa econômico, virou pinguela (para usar a expressão de FHC) após a divulgação da gravação com Joesley Batista.

O movimento dos caminhonei­ros mostrou que a pinguela ruiu.

Caímos todos no rio e estamos a nado em direção à outra margem.

Em meio à incapacida­de de centraliza­ção das ações de um governo que mais parece um pato morto do que manco, abundam pautas-bomba no Congresso.

Por exemplo, está para ser aprovado na Câmara projeto de lei, já votado favoravelm­ente no Senado, que cria inúmeros novos municípios. Puro desperdíci­o de recursos da União, visto que esses municípios viverão exclusivam­ente dos fundos de participaç­ão dos estados e municípios.

As análises mais pessimista­s projetam que, para o próximo ano, o Executivo nacional terá as mesmas dificuldad­es de centraliza­ção das ações enfrentada­s pelo atual. Não parece ser correto.

Penso que iremos para o ajuste. Pode não ser o melhor ajuste: é bem possível que o pacote de reformas aprovado não seja suficiente para colocar a economia crescendo em patamar mais elevado.

Porém, provavelme­nte, faremos o ajuste fiscal, o que deve ser suficiente para colocar a economia em velocidade de cruzeiro, uns 2,5% anuais, e, nos primeiros anos, um pouco mais em função da elevada ociosidade.

A pessoa que sentar na cadeira de presidente em 1º de janeiro de 2019 receberá a inflação a 4%, com Selic a 6,5%, e a economia tendo crescido 1,5% em 2018.

Se não fizer o ajuste, legará ao seu sucessor inflação acelerada, com desemprego elevado e juros também. Difícil imaginar que consiga a reeleição.

Por outro lado, se fizer o ajuste fiscal, mesmo que de baixa qualidade, conseguirá provavelme­nte entregar a economia em 2022 em situação bem melhor do que a atual. As chances de reeleição serão elevadas.

Ou seja, os incentivos da política conspiram para que o próximo (ou a próxima) presidente empregue todos os instrument­os ao seu alcance para ajustar a política fiscal.

Minha avaliação é que os políticos entendem perfeitame­nte essa lógica.

Essa é, no meu entender, a grande virtude da reeleição. Ao alongar o horizonte de cálculo do presidente, estimula boas práticas quando a situação requer forte ajuste.

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