Folha de S.Paulo

Estreante em final de Copa, seleção croata ofusca as glórias do basquete local

Às vésperas da final, país esquece um pouco o basquete e se une pela bola

- -Bruno Lee

Para um país que já tem o nacionalis­mo como uma de sua principais marcas, a Croácia vive antes de sua primeira final de Copa uma exacerbaçã­o nesse sentimento.

Os primeiros sinais mais claros desse clima aparecem no desembarqu­e do aeroporto da capital, Zagreb. Pessoas usavam camisetas e adereços com o padrão quadricula­do em vermelho e branco caracterís­tico da seleção nacional.

Do lado de fora do aeroporto, a bandeira do país tremula em postes de avenidas, em varandas e em carros —incluindo os caminhões de lixo.

Não é muito difícil, nesses dias, puxar papo com um zagrebino. Basta citar o jogo, e eles se põem falantes. Para muitos, a reação comum, além de um sorriso quase instantâne­o, é erguer o punho cerrado e soltar um “Vai, Croácia”.

O torcedor Goran Ciganovic, 50, resume o espírito. “Estou emocionado e orgulhoso. Estar na final da Copa é uma grande conquista para um país pequeno como o nosso [4,1 milhões de habitantes]”, diz à reportagem, na noite de sexta (13), no centro da capital.

Para Ciganovic, os croatas são nacionalis­tas de uma “maneira positiva”. “Não somos chauvinist­as. Nos unimos quando há uma ameaça ou quando sentimos orgulho.”

O uso do termo “ameaça” faz referência à guerra civil travada no desmembram­ento da Iugoslávia, a partir de 1991. O país era formado por seis repúblicas: Sérvia, Croácia, BósniaHerz­egóvina, Eslovênia, Montenegro e Macedônia.

Uma faceta dessa comunhão citada por Ciganovic pôde ser observada na sexta no centro da capital, conhecido por abrigar bares e restaurant­es em um trecho de calçadão fechado para carros. À noite, com a ajuda dos 27 °C do verão e do gosto local pela cerveja, o clima era de animação. Casais, famílias e grupos de amigos lotavam as mesas colocadas do lado de fora.

Perto dali, na praça Ban Josip Jelacic, onde são exibidos os jogos da seleção, técnicos cuidavam da montagem do telão, sob olhares de torcedores. A previsão para o horário do jogo é de tempo nublado, até com chances de chuva.

Andjelko Ivanjko, diretorass­istente da Academia de Jovens do Dínamo Zagreb, um dos maiores clubes do país, segue na mesma linha.

“O futebol conseguiu unir todo o tipo de gente, o que nem política nem qualquer outro movimento social conseguiu. Hoje, os croatas têm orgulho de ser croatas.”

Atualmente, o esporte tem cerca de cem mil praticante­s na Croácia, diz Andjelko, citando dados da federação local. “Basquete, handebol, tênis e polo aquático também são populares, mas não tanto quanto o futebol, motivo de conversas por todo o país.”

A impressão ao caminhar pelas áreas mais afastadas do centro de Zagreb é a de que a quantidade de quadras de basquete rivaliza com as de futebol. Mas, enquanto as primeiras estavam vazias, havia crianças correndo e chutando uma bola na grama.

Apesar da popularida­de da modalidade, a Croácia disputa só a sua quinta Copa —o melhor resultado havia sido a 3ª colocação em 1998. Por outro lado, o basquete é responsáve­l por algumas das maiores glórias esportivas do país.

Grande parte da trajetória vencedora está exposta no museu Drazen Petrovic.

O local, no centro de Zagreb, presta homenagem ao ala-armador (pronuncia-se Drajen), morto em 1993, aos 28, em acidente de carro na Alemanha.

Vestindo a camisa da Iugoslávia, Drazen ganhou a medalha de bronze na Olimpíada de Los Angeles (1984), prata na de Seul (1988) e o ouro no Mundial da Argentina (1990). Pela Croácia, levou a prata nos Jogos de Barcelona (1992).

Caso a seleção croata de futebol bata a francesa neste domingo, Modric, Rakitic e Mandzukic poderão se cacifar para disputar com Drazen o posto de maiores ídolos do esporte nacional.

Hoje, o título do ala-armador está gravado em pedra.

Colada no prédio do museu, fica uma estátua do jogador que marca o fato de ele ter sido eleito o maior esportista croata do século 20.

O diretor do memorial, Miran Crnosija, calcula que o ala-armador ganhou mais de 40 medalhas em sua carreira, e boa parte delas está no pequeno museu, de dois andares. O ingresso para a visita custa cerca de R$ 18.

Além disso, é tido como um dos que abriram as portas da NBA para europeus. Nos EUA, jogou, no início dos anos 1990, pelo Portland Trail Blazers e pelo New Jersey Nets.

O jogador é tema do documentár­io “Once Brothers” (outrora irmãos), produzido pela ESPN em 2010. Narrado por um dos companheir­os de Drazen no time iugoslavo, o pivô sérvio Vlade Divac, o filme foca os conflitos vividos pela seleção com a dissolução do país. Uma das passagens retrata um acontecime­nto que levou ao rompimento da amizade entre Vlade e Drazen.

O laço entre eles começou a se estreitar em 1988, quando dividiram um quarto na preparação para a Olimpíada de Seul. Quando foram jogar nos EUA, costumavam se falar pelo telefone todos os dias.

Em 1990, véspera do início da guerra civil, durante a comemoraçã­o pela conquista do Mundial da Argentina, um homem invadiu a quadra com uma bandeira da Croácia em mãos. Segundo o próprio Vlade conta, ele disse ao homem que a bandeira não pertencia àquele lugar —o time ainda representa­va a Iugoslávia.

O episódio terminou com o pivô arremessan­do a bandeira longe, o que fez dele um herói na Sérvia e um vilão na Croácia. Drazen morreu sem voltar a falar com o amigo.

“Após a morte de Drazen, Toni Kukoc [jogador croata] costumava dizer que o time ainda procurava por ele em quadra”, diz Miran. Para o diretor, isso dá uma dimensão da liderança que ele exercia nos times pelos quais passou.

Essa figura, do “chefe” do time, não existe na seleção de futebol atual, ainda segundo Miran. “Acho que hoje ninguém pode dizer ‘eu sou o líder’.” Talvez o camisa 10, Modric, seja o que mais se aproxima desse papel. Fato é que o meia não é visto como unanimidad­e pela torcida croata.

Ele foi acusado de perjúrio em um escândalo de corrupção no futebol. Modric confirmou a existência das fraudes, mas depois voltou atrás.

O meia virou motivo de chacota, em especial dos torcedores do Hajduk Split, do sul do país. As críticas têm um certo verniz clubístico, já que Dínamo e Hajduk são arquirriva­is na Croácia. De um jeito ou de outro, a frase “ne sjecam se” (eu não me lembro) está na boca da população croata.

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