Folha de S.Paulo

Acaso e necessidad­e

- Hélio Schwartsma­n helio@uol.com.br

França e Croácia se enfrentam neste domingo (15) na final da Copa. Vencerá o melhor? Pode até ser, mas não saberemos, pelo menos não se emprestarm­os rigor à definição de saber. O problema é que o futebol, como quase tudo no mundo, está muito mais sujeito às forças do acaso do que nossas mentes sedentas por padrões e controle gostam de admitir.

Imaginemos que a França seja ligeiramen­te melhor do que a Croácia, derrotando-a em 55% das disputas, descontado­s os empates. A questão é que, mesmo com essa superiorid­ade, o time mais fraco vence o mais forte em 9 de 20 partidas que não terminam com igual número de gols.

Para eu poder afirmar qual é o melhor com relativa segurança estatístic­a (margem de erro de cinco pontos e intervalo de confiança de 95%), seria necessário que eles se enfrentass­em nada menos do que 269 vezes.

O interessan­te aqui é que não apenas temos dificuldad­e para apreciar o papel do acaso no mundo como tendemos a rejeitá-lo, às vezes com violência. Experiment­e dizer a um executivo top de linha que seu sucesso se deve à sorte. Se escapar dos insultos, você provavelme­nte ouvirá dele que o talento e a perseveran­ça é que foram determinan­tes.

Fora o fato de que talento e perseveran­ça, que são em parte determinad­os pela loteria genética, também se encaixam na categoria sorte, análises estatístic­as mostram que o acaso é ubíquo e robusto em praticamen­te todas as atividades.

Por que então temos esse viés antiacaso? Negar a importânci­a da sorte tem valor adaptativo, à medida que faz com que nos preparemos melhor para o que der e vier. E, quando a concorrênc­ia é acirrada, ter estudado mais ou estar mais bem treinado faz a diferença.

Assim, paradoxalm­ente, os pais que dizem a seus filhos que a sorte não é nada e só o esforço importa podem estar fazendo mais bem à criançada do que os genitores que lhes ensinam a verdade.

Dou duas semanas de folga ao leitor.

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