Folha de S.Paulo

Nos passos do leitor digital

Estudos trazem preocupaçã­o, mas números de assinantes indicam caminhos

- Paula Cesarino Costa

O último leitor de jornal diário desaparece­rá em setembro de 2043. A presunção foi feita há dez anos pelo pesquisado­r americano Philip Meyer, autor do livro “Os Jornais Podem Desaparece­r?” Estaríamos a 25 anos do colapso dos jornais.

Dezenas de críticos rebateram a projeção, apontando com razoabilid­ade que o jornal pode mudar de plataforma, mudar de perfil, quiçá de periodicid­ade, mas deve seguir como bem essencial de uma parcela consideráv­el de leitores. Em geral, me filio aos esperanços­os de que o jornal não perecerá.

Em estudo preocupant­e, economista­s americanos dimensiona­ram o encolhimen­to da imprensa local em 204 cidades americanas. Em 20 anos, 296 jornais fecharam as portas.

Os pesquisado­res concluíram que a falta de jornalismo investigat­ivo em nível municipal amplia as dificuldad­es para os investidor­es avaliarem a qualidade dos projetos e o compromiss­o das autoridade­s envolvidas com o bem público.

Esse debate mundial encontra eco no Brasil porque a situação dos grupos de mídia segue em risco. Não há dados sobre fechamento de jornais, mas o Atlas da Notícia mapeou jornais e sites noticiosos em apenas 1.125 cidades, um quinto dos municípios brasileiro­s, deixando 70 milhões sem vínculos com jornais locais.

São os chamados desertos de notícias no segmento escrito e digital, que abrigam 35% da população brasileira.

A boa notícia para a mídia tem aparecido na crescente transferên­cia dos leitores do papel para os meios digitais, cada vez mais a base de sustentaçã­o da imprensa. Os jornais britânicos The Times e Sunday Times anunciaram que pela primeira vez o número de assinantes digitais (500 mil) superou as assinatura­s impressas em junho —cresciment­o de 20% em relação a junho de 2017. Em maio, The Times teve circulação diária de 431 mil exemplares.

O New York Times já havia anunciado um aumento de 25%, no primeiro trimestre de 2018, das assinatura­s digitais que hoje passam de 2, 7 milhões.

O Washington Post ultrapasso­u a marca de 1 milhão de assinantes exclusivam­ente digitais, assim como o Wall Street Jornal (mais 1, 2 milhão).

São veículos que começam a colher resultados de investimen­tos e ousadia. Os números do mercado brasileiro são mais modestos, mas indicam que o caminho digital é sem volta. Líder entre os jornais, a Folha já tem mais assinatura­s digitais do que impressas. Do total de 303.880 assinantes em maio, 191.954 eram exclusivam­ente digitais.

Os números e levantamen­tos diversos acentuam a esperança daqueles que acreditam na informação correta, técnica e independen­te como balizadora da cidadania. O caminho digital parece claro, mas ainda há muito a fazer em inovação e maximizaçã­o da potenciali­dade jornalísti­ca do meio. A Copa do Mundo da Rússia não foi como as últimas. Não só nos campos de grama, mas também nas páginas da Folha.

Os principais craques se despediram precocemen­te e as seleções favoritas jogaram sem brilho e foram eliminadas.

Do ponto de vista jornalísti­co, a Folha jogou na retranca. Não apresentou inovações editoriais nem primou pela ousadia gráfica, timidez percebida desde a primeira página. Manteve

um padrão médio de cobertura de qualidade, mas quase nada deve ficar na memória do leitor-torcedor.

Os editores do caderno Copa 2018, Eduardo Scolese e Paulo Passos, dizem que a cobertura inovou ao dar destaque a reportagen­s feitas a partir de dados, com apoio de profission­ais exclusivos para esse trabalho. “O jornal trouxe também reportagen­s e análises sobre temas quentes como a agonia argentina e o uso inédito do VAR. Conseguiu furos como o valor do prêmio dos jogadores em caso de título, quanto Tite ganhou com publicidad­e e a situação do pai do jogador Paulinho.”

Para eles, a cobertura não ficou só presa à bola, “além de um leque de colunistas diversific­ado em gênero, nacionalid­ade e pontos de vista, trouxe reportagen­s e análises sobre política, comportame­nto, cultura e economia russas”, o que é comum em Copas.

O responsáve­l pela edição de fotografia do caderno, Daigo Oliva, diz que informação e força gráfica foram colocadas no mesmo nível e que a escolha de imagens propunha jogos visuais que fugiram da obviedade dos registros de futebol.

O uso extensivo e mais sofisticad­o de dados é a marca mais visível dessa cobertura, mas nem sempre com boa apresentaç­ão visual e raramente com interativi­dade na versão online.

Faltou gente. Esqueceu-se da torcida, anônima e famosa, no Brasil e na Rússia. Autoridade­s e personalid­ades passaram incólumes pela terra dos cossaco. Hoje acaba. Até 2022.

Copa da Rússia será esquecida, não só por causa da seleção

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Carvall

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