Folha de S.Paulo

A cadeia de Lula virou seu melhor palanque

Lula não pode dar entrevista­s, mas sua voz estará na campanha, como a do aiatolá Khomeini nos anos 70

- Elio Gaspari Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles “A Ditadura Encurralad­a”

A juíza da Vara de Execuções Penais de Curitiba decidiu que Lula não pode receber jornalista­s. Ela informou também que ele está em “situação de inelegibil­idade”. Seja lá o que for o que isso signifique, a essência da decisão faz sentido. O que lhe falta é eficácia.

No início dos anos 70, quando começaram a aparecer cassetes com os áudios de sermões do aiatolá Khomeini, o Xá do Irã mal ligou. Afinal, ele era um islamita radical exilado na Turquia, Iraque e França. A liderança religiosa desprezava-o, e os poderes do mundo acreditava­m que era apenas um excêntrico. O sujeito de barbas brancas tomou o poder e criou uma ditadura muito mais intolerant­e e repressiva. A ilusão foi favorecida pelo romantismo da voz do ausente. Isso aconteceu no tempo em que não havia internet.

Lula é um “apenado” na carceragem da Federal de Curitiba, e proibindo-o de dar entrevista­s cumpre-se a lei, mas não se impede que ele seja ouvido. Mais: limita-se a sua capacidade de dizer tolices, como a louvação dos pneus queimados ou as ocupações de propriedad­es, cometidas na sua última fala.

A decisão judicial não tem eficácia porque Lula recebe advogados e eles podem gravar o que ele lhes diz, com direito a divulgar o áudio. Por ser um preso, ele não pode montar palanques na cadeia. Por ser um cidadão, pode falar.

Em situações malucas, até os doidos acabam mostrando que são sábios. No século passado, quando o frenesi anticomuni­sta tomou conta dos Estados Unidos, o compositor Woodie Guthrie acabou num hospício, seus amigos preocupara­m-se e ele acalmou-os:

“Eu é que estou preocupado com vocês. Lá fora, se você diz que é comunista, vai para a cadeia. Aqui, eu digo que sou comunista e eles dizem que sou maluco.”

De Joy@auau para Juízes@br

Caros senhores,

Vossas Excelência­s haverão de estranhar que vos escreva. Sou um cachorro tipo spaniel e vivo no prédio do ministro Teori Zavascki. Ouço suas conversas e, há dias, comentando a balbúrdia do Judiciário brasileiro, ele disse: “Vejam o Joy. Há momentos em que você deve fazer como ele naquela madrugada de 17 de julho de 1918.”

Na terça-feira completams­e cem anos daquelas horas de horror. Eu era o cachorro do czarevich russo Alexei e estava com a família Romanov confinado numa casa de Iekaterinb­urgo. Vivíamos em palácios, mas uma gente malvada arrastou-nos pela Rússia afora. Éramos três quadrúpede­s, mais o czar Nicolau (um bípede bobo), sua mulher Alexandra (meio doida), quatro meninas e meu dono, um doce garoto de 13 anos. No meio da madrugada, os comunistas acordaram a família e levaram-na para uma sala do porão. Seguiu-se uma barulheira que acordou a vizinhança, e os meus colegas começaram a latir. Os malvados tinham massacrado a família Romanov e decidiram matar os cachorros barulhento­s.

Eu já estava velho e cego. Fiquei quieto na porta do meu dono e fui deixado em paz. No dia seguinte, um guarda tomou conta de mim. Os malvados foram momentanea­mente expulsos da cidade. Sem comida nem dono, eu me arrastava pelo jardim, até que cheirei a perna de um coronel da tropa inglesa e ele protegeu-me.

Meses depois eu estava na Inglaterra com meu novo dono. Vejam como são as coisas. Os Romanov achavam que seriam mandados para Londres, mas o rei George 5º, primo de Nicolau, quebrou sua promessa e não os acolheu. (Sua família comprou joias dos russos, mas assim são os bípedes.) Ao final, o único a ser protegido pela Inglaterra fui eu, o cão que ficou calado naquela madrugada. Fui enterrado nas proximidad­es do castelo de Windsor, onde casou-se o príncipe William e outro dia passou Donald Trump.

Como diz o doutor Teori. Há horas em que se deve ficar calado.

Meirelles

Travada nas pesquisas e pelos números da economia, a candidatur­a de Henrique Meirelles pelo MDB subiu no telhado.

Se ele decidir continuar lá, muitos caciques do partido cuidarão da própria vida.

Lula e Josué

Como ficarão as coisas se Lula achar que seu apoio deve ir para o empresário Josué Alencar, filho de seu vice-presidente?

É uma manobra difícil, mas há gente trabalhand­o na terraplena­gem.

Coroa

Parece coisa de antigament­e, mas um observador venenoso acha que aquele cabelo de Neymar nos dois primeiros jogos da Copa, com a uma faixa superior dourada, era um projeto de coroa capilar.

A conta

Milhões de pessoas acharam que Dilma Rousseff deveria ser posta para fora do Planalto e tinham bons motivos para isso.

No ano passado, muitos cariocas votaram para impedir a eleição de Marcelo Freixo. Novamente, tinham seus motivos.

Nos dois casos exerceram-se os vetos sabendo-se que eles colocariam Michel Temer no Planalto e Marcelo Crivella na prefeitura.

Como ensinou o sábio Marco Maciel, as consequênc­ias vêm depois.

O Clamor venceu

Está chegando às livrarias “Solidaried­ade Não Tem Fronteiras - a história do grupo Clamor, que acolheu refugiados das ditaduras sul-americanas e denunciou os crimes do Plano Condor”. Nele, a jornalista inglesa Jan Rocha conta a história de um grupo de pessoas que se organizou em 1978 para proteger fugitivos das ditaduras militares da Argentina, Uruguai e Chile.

O Clamor começou com Jan Rocha e outras duas pessoas. Ela era correspond­ente da BBC e seu livro mostra que quando tudo parece perdido, a ação de umas poucas pessoas escreve uma história de valor e vitória. Elas foram ajudadas pela valentia dos cardeais D. Paulo Evaristo Arns (São Paulo) e D. Eugenio Salles (Rio), mais o apoio do Alto Comissaria­do da ONU para Refugiados. Pode-se estimar que ampararam mais de 5.000 fugitivos.

O grupo Clamor, de São Paulo, também denunciava os campos de concentraç­ão da Argentina. Numa história emocionant­e, “Maria” achou, no Chile, as crianças Anatole e Vicky, deixadas numa rua de Valparaíso pela máquina de assassinos que matara seus pais em Buenos Aires. Os fugitivos escondiam-se no Brasil usando codinomes, mas hoje pode-se contar que “Maria” é a psicóloga Mariela Salaberry e vive em Montevidéu.

Trata-se de um livro barra pesada quando narra o que acontecia na Argentina e no Uruguai. Da sua leitura emerge uma peculiarid­ade da ditadura brasileira à época. O governo e o Itamaraty toleravam a ação da ONU e dos cardeais, enquanto o Centro de Informaçõe­s do Exército e o Dops gaúcho colaborava­m com os generais sequestran­do fugitivos que mais tarde seriam executados.

Cadê?

Durante a greve de caminhonei­ros e o locaute de companhias de transporte­s, a Polícia Federal e o Cade abriram uma investigaç­ão para apurar a ação de empresário­s na articulaçã­o do caos.

O ministro da Segurança, Raul Jungmann, informou que existiam 35 inquéritos em 25 estados, e um empresário foi preso em Caxias do Sul.

Passou-se um mês e nada se sabe dos inquéritos.

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Juliana Freire

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