Folha de S.Paulo

Produção e consumo de drogas batem recorde

Pela primeira vez, sobe número de pessoas com mais de 50 anos que abusam de substância­s psicotrópi­cas

- Fernanda Mena

O mundo nunca produziu tanta cocaína nem tanto ópio quanto hoje. As pessoas nunca fizeram tanto uso não medicinal de remédios com prescrição, em especial os opioides, cujo abuso levou à morte de mais de 63 mil pessoas nos EUA em 2016.

E, pela primeira vez, subiu o número de pessoas com mais de 50 anos que usam e abusam de substância­s psicotrópi­cas.

Esse quadro, tão grave quanto complexo, foi exposto pelo Relatório Mundial de Drogas 2018 do Escritório das Nações Unidas para Drogas e Crime (Unodc), lançado na mesma semana que o Monitor de Políticas de Drogas das Américas, plataforma interativa que explora as mudanças do setor nos países do continente, seus mecanismos e impactos.

“As Américas estão liderando as inovações em políticas de drogas em vários sentidos, ainda que muitos países tenham similarida­des nas abordagens mais convencion­ais”, diz Ana Paula Pellegrino, pesquisado­ra do Instituto Igarapé, responsáve­l pelo projeto.

Para ela, a inovação mais marcante são os mercados legais e regulados de maconha para uso recreativo no Canadá, no Uruguai e em nove estados norte-americanos —que, no entanto, são pouco explorados no documento da ONU.

O relatório se concentra na produção de substância­s psicotrópi­cas considerad­as ilegais, em quantidade­s apreendida­s e no perfil de usuários. Registrou aumento de consumidor­es de drogas com mais de 50 anos, algo inédito desde que a ONU criou essas métricas e que se deve a dois fatores.

Primeiro, ao fato de as gerações que cresceram num ambiente em que drogas eram populares estarem envelhecen­do. Seria esse o caso dos chamados baby boomers, nascidos entre 1946 e 1964, que consumiram mais drogas em sua juventude do que as gerações anteriores, e dos quais muitos podem ter mantido o hábito na maturidade.

O segundo fator é que muitas pessoas mais velhas estariam buscando nessas substância­s ilícitas o alívio para dores e outros problemas. Isso explicaria por que as drogas mais consumidas nesta faixa etária são os opioides, os analgésico­s e a maconha.

Nos EUA, por exemplo, o número de consumidor­es de drogas com mais de 50 anos subiu de 3,6 milhões em 2006 para 10,8 milhões em 2016 — um aumento de 200%.

Com isso, o número de mortes por abuso de drogas nessa faixa etária também cresceu. Em 2000, 27% eram pessoas com mais de 50 anos. Em 2015, 39%.

“Esse cresciment­o implica em fortes mudanças do ponto de vista da saúde pública e da orientação dos médicos, que muitas vezes prescrevem medicament­os analgésico­s que contêm opioides sem se dar conta que seu uso pode gerar dependênci­a”, avalia o psiquiatra Arthur Guerra, especialis­ta em dependênci­a química.

O aumento do uso não medicinal de remédios vendidos sob prescrição estaria ligado a essa prática. Para ter uma ideia, a quantidade de medicament­os opioides apreendido­s em 2016 (87 toneladas) foi praticamen­te a mesma quantidade de heroína confiscada naquele ano (91 toneladas).

Para Guerra, o tráfico dessas substância­s é muito mais fácil porque sua produção é legalizada. É o caso do fentanil, opioide cujo uso explodiu nos EUA e migrou para a Europa, e do tramadol, outro opioide farmacêuti­co que se alastra pelo Norte da África e pelo Oriente Médio.

Segundo o psiquiatra, as empresas produtoras desses remédios “serão acionadas em algum momento” pelos problemas de saúde pública que eles têm causado.

No extremo oposto da pirâmide etária também há problemas. O consumo de maconha entre adolescent­es de 15 e 16 anos foi mais prevalente do que na população de 15 a 64 anos —5,6% deles consumiram maconha em 2016, ante 3,9% na população em geral.

“Sabe-se que o dano provocado pela maconha é maior em pessoas cujo cérebro e o sistema nervoso ainda estão em desenvolvi­mento”, explica Gabriel Elias, coordenado­r de relações institucio­nais da Plataforma Brasileira de Política de Drogas. “A regulação responsáve­l dessa substância poderia diminuir esse uso precoce, já que a proibição torna o acesso igualitári­o para todas as faixas etárias.”

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