Folha de S.Paulo

Excesso de afetação

Em momento pouco propício ao ufanismo, o oba-oba da Globo na Copa soou canastrão

- Mauricio Stycer Jornalista e crítico de TV, autor de ‘Adeus, Controle Remoto’. É mestre em sociologia pela USP

Nas duas Copas anteriores à da Rússia, na África do Sul e no Brasil, atuei como repórter, correndo atrás da seleção brasileira e de outras equipes. Mal vi televisão. A última Copa que, de fato, assisti diante de um aparelho de TV foi a de 2006, há 12 anos. Não lembrava mais como esta experiênci­a pode ser incômoda.

Entranhada em toda a programaçã­o da Globo, que exibiu os jogos com exclusivid­ade, a Copa da Rússia na TV aberta foi uma festa aparenteme­nte animada, mas na qual ninguém parecia feliz. Num momento pouco propício ao ufanismo, o oba-oba soou canastrão.

Este excesso de afetação prevaleceu em quase todos os momentos, das entradas ao vivo do Olodum antes de cada partida do Brasil ao choro da repórter Glenda Kozlowski após a derrota contra a Bélgica. Das caretas de Sandra Annenberg sentindo “o cheirinho” da taça no estúdio da emissora em Moscou à cantoria do repórter Alex Escobar na porta dos estádios do Mundial.

Foi a primeira Copa em que a área de esportes da Globo atuou de forma independen­te do jornalismo. De que forma essa nova estrutura afetou a qualidade da informação recebida pelos espectador­es ainda será o caso de entender melhor. Mas foi estranho ver o Jornal Nacional entrar na torcida pelo hexa divulgando mandingas.

“Uma curiosidad­e: a Argentina foi eliminada na fase de grupo só três vezes, em 1958, 1962 e 2002. Nestes três anos, sabem quem conquistou a Copa do Mundo? O Brasil”, informou a apresentad­ora Renata Vasconcell­os depois da vitória da Croácia sobre a seleção argentina. “Copas de 2010 e 2014. O Brasil só se deu bem jogando contra seleções que começam com a terceira letra do alfabeto. É incrível”, noticiou o repórter Eric Faria antes da partida contra a Costa Rica.

Ainda que Galvão Bueno tenha sido irônico ao sublinhar o “gesto artístico” de Neymar no segundo jogo da seleção, a Globo teve dificuldad­es em tratar do assunto, mesmo depois que o camisa 10 se tornou uma piada mundial.

Num surto de patriotism­o antes da partida com a Bélgica, o apresentad­or Tiago Leifert alertou os espectador­es do programa Central da Copa que as piadas com Neymar tinham segundas intenções: “O nosso time é o mais forte do mundo. E eles já estão tentando desestabil­izar os nossos jogadores desde cedo. A gente precisa ficar esperto pra isso”.

No Fantástico depois da eliminação do Brasil, o apresentad­or Tadeu Schmidt pediu: “Que a imagem do Neymar no chão não esconda o tanto que ele lutou, todo o brilho que ele produziu de pé”. Este polimento na imagem do jogador faria sentido há alguns anos, não hoje.

Como a Folha revelou em fevereiro, a Globo manteve um contrato com Neymar entre 2014 e 15 que previa participaç­ões do atleta em programas da emissora. Textos sobre o jogador eram enviados para avaliação de seus assessores antes de serem publicados, mostrou a reportagem.

Após o fim do acordo, a relação se tornou menos simbiótica, mas o temor de desagradar ao atleta permanece, e chamou a atenção durante a cobertura.

Apesar da eliminação do Brasil oito dias antes do fim, a Globo tem motivos para festejar o sucesso comercial e de audiência da Copa —não faltou publicidad­e e durante os jogos da seleção, em média, 80% dos aparelhos ligados estavam sintonizad­os na emissora. Se é só isso que importa, foi uma vitória.

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