Folha de S.Paulo

‘Primavera em Casablanca’ amontoa clichês

De narrativa caleidoscó­pica, filme marroquino se vende como humanista, mas resulta em excesso de lugares-comuns

- Sérgio Alpendre

Não se deve cair no engano de julgar um filme pela geografia —“se é do Marrocos, só pode ser bom”— ou pela sociologia —“que sociedade injusta e machista, e que bom que alguém esteja denunciand­o isso”.

São bobagens frequentes, cometidas por quem geralmente vê o cinema como mero entretenim­ento, uma instância menor, nunca uma arte com suas caracterís­ticas e sua força estética.

O longa marroquino “Primavera em Casablanca”, de Nabil Ayouch, é justamente um desses filmes que suscitam esse tipo de análise, digamos, sociologiz­ante, contra a qual nos alertava o crítico literário, ensaísta e sociólogo Antonio Candido (1918-2017).

E, nesse caso, parece-me necessário apontar as falhas de mais este filme painel (que mal fez ao mundo o Oscar para “Crash”), que se vende como humanista, mas não passa de um amontoado de clichês, a despeito de um ou outro funcionar dentro da narrativa caleidoscó­pica.

Temos cinco personagen­s vivendo em Casablanca em duas épocas distintas. Em 1982 vive Abdallah (papel de Amine Ennaji), um professor idealista às voltas com o conservado­rismo das autoridade­s. Em 2015, encontramo­s quatro outros personagen­s, dois homens e duas mulheres.

É de especial interesse o desafio das mulheres num mundo totalmente dominado pelo patriarcad­o. Salima (Maryam Touzani) e a adolescent­e Inès (Dounia Binebine) procuram sobreviver contra costumes arcaicos, como aquele que coíbe as mulheres de dançar ou fumar, assim como questionam­entos sobre o despertar da sexualidad­e e a virgindade.

No caso dos homens, Joe (Arieh Worthalter) se divide entre seu restaurant­e e as dificuldad­es com as mulheres, enquanto Hakim (Abdelilah Rachid) sonha em ser um astro do rock para deixar aflorar sua idolatria por Freddie Mercury (falecido cantor do grupo Queen).

Nesse coquetel, temos algumas imagens emocionant­es, como aquela em que Salima tira a maquiagem, mas a filmagem em reverso faz com que, poeticamen­te, ela pareça se maquiar na nossa frente, ou o momento “We Are the Champions”, que só não é brega por algum milagre alcançado pela direção.

Em compensaçã­o, além do excesso de lugares-comuns, o filme apresenta vários finais, o que o deixa com a impressão de intermináv­el. Fora a referência bem tola ao clássico “Casablanca” (1942), de Michael Curtiz, reiterada desnecessa­riamente.

 ?? Divulgação ?? Maryam Touzani e Abdelilah Rachid em cena de ‘Primavera em Casablanca’
Divulgação Maryam Touzani e Abdelilah Rachid em cena de ‘Primavera em Casablanca’

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil