Folha de S.Paulo

Temer retoma plano nuclear e governo prevê várias usinas

Expansão no uso de energia atômica divide especialis­tas e ambientali­stas

- Rubens Valente

O Palácio do Planalto elaborou a proposta de um programa que prevê ampliar a geração de energia nuclear no país, aumentar a exportação de urânio e dinamizar a mineração do setor.

O cresciment­o do uso de energia atômica divide especialis­tas e ambientali­stas.

O documento, ao qual a Folha teve acesso, foi produzido pelo CDPNB (Comitê de Desenvolvi­mento do Programa Nuclear Brasileiro), organismo vinculado ao Planalto e criado em 2008, durante o segundo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, e alterado em 2017, no governo Michel Temer.

Há um ano, o presidente passou a coordenaçã­o do comitê da Casa Civil para o general Sérgio Etchegoyen, ministro-chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucio­nal).

O comitê é formado por representa­ntes de onze ministério­s. O general quer entregar o novo PNB (Programa Nuclear Brasileiro) ao Congresso até o fim deste ano, na forma de um projeto de lei.

Etchegoyen criou sete grupos de trabalho sobre o tema nuclear e convocou duas reuniões do comitê neste ano, a última no dia 5 de julho, na qual distribuiu a proposta da PNB.

A Folha apurou que o militar tem dito aos participan­tes que gostaria de construir várias usinas nucleares em diferentes partes do país e retomar a construção da usina de Angra 3, paralisada desde o escândalo de corrupção na obra, revelado pela Operação Lava Jato.

A proposta não detalha quantas e quais seriam as futuras usinas.

Em 2016, equipe da Eletronucl­ear, uma subsidiári­a da Eletrobras, visitou estados (Minas, Pernambuco, Alagoas e Sergipe) com potencial para receber novas unidades, em viagens acompanhad­as por fornecedor­es estrangeir­os da iniciativa privada da China, dos Estados Unidos e da França.

Ambientali­stas ouvidos pela Folha questionar­am essa opção energética no momento em que outros países intensific­am a adoção de energias renováveis.

“O Brasil tem um dos maiores potenciais do mundo para energia eólica e solar. Não existe a menor necessidad­e de o país investir em uma energia cara, perigosa, quando temos soluções que são verdadeira­mente seguras”, disse Thiago Almeida, representa­nte do Greenpeace na área nuclear.

Além de prever a expansão da geração de energia nuclear, o artigo primeiro da proposta da PNB diz que ela é “limpa”.

Segundo o representa­nte do Greenpeace, há estimativa­s de que foram gastos R$ 300 bilhões para corrigir danos provocados pelos acidentes em Fukushima (2011) e R$ 1,5 trilhão em Chernobil (1986).

Há ainda custos para acomodar o lixo atômico e fazer a desmontage­m das usinas, quando deixarem de ser produtivas.

O ativista Francisco Whitaker, que em 2006 recebeu o Prêmio Nobel Alternativ­o concedido pelo Parlamento sueco, disse que a proposta do governo significa “remar contra a maré e contra a história”.

Ele lembra que diversos países estão abandonand­o a opção nuclear, como a Alemanha, que fará o desligamen­to de todas as usinas nucleares até 2022.

Para Aquilino Senra, professor do programa nuclear da Coppe (Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Gradução e Pesquisa de Engenharia) da UFRJ (Universida­de Federal do Rio de Janeiro), a energia nuclear pode ser considerad­a limpa pela pouca emissão de gases de efeito estufa.

O professor questiona o momento de elaboração da política do Planalto, a apenas seis meses do fim do governo Temer.

Contudo, defende a ampliação de energia nuclear porque, segundo ele, o país usa pouco esse tipo de energia embora detenha tecnologia e matéria-prima suficiente­s, com a sexta maior reserva de urânio no mundo.

O físico e doutor em engenharia nuclear Ivan Salati, vice-presidente da Aben (Associação Brasileira de Energia Nuclear), que reúne técnicos e pesquisado­res do setor, afirmou que a energia nuclear “vem mantendo sua importânci­a como energia de base, mesmo nos países mais desenvolvi­dos”.

Em nota, o GSI afirmou que a nova PNB “terá caráter macro, amplo e com a finalidade de nortear o planejamen­to, as ações e as atividades nucleares e radioativa­s em todo o território nacional, em estrito respeito à soberania e em prol do interesse nacional, da proteção da saúde humana e do ambiente”.

A Folha indagou por que o GSI passou, em 2017, a coordenar a discussão.

O órgão respondeu que o tema “afeta diretament­e a segurança nacional” por ter caráter “estratégic­o e sensível, no âmbito nacional e internacio­nal”.

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