Folha de S.Paulo

Chegou a hora de dizer tchau

- Vera Iaconelli Psicanalis­ta, fala sobre relações, mudanças de costumes e novas famílias do século 21

A economia encolheu, as crianças tailandesa­s foram salvas da caverna, Lula foi solto e preso, sem nem sequer sair da cadeia. Trump fez inúmeras cretinices envolvendo famílias de imigrantes, e o Japão sofreu com a tragédia das enchentes.

Malala Yousafzai, ativista da educação e sobreviven­te da intolerânc­ia misógina, veio falar no Brasil. Notícias diversas pontuando o dia a dia mundial com sua habitual brutalidad­e e alguma dose de resistênci­a.

Mas o fato mais bizarro talvez seja que, diante da incorrigív­el sina humana de fazer coisas terríveis e sem sentido, tivemos 32 dias de trocas de outra ordem. Canalizamo­s nossos ódios e rivalidade­s, nossas ambições de glória e reconhecim­ento dentro do estádio. Temos como ápice desse fato os croatas chegando às finais em solo russo, país que apoiou a Sérvia contra eles na guerra dos Bálcãs. Mas no retângulo verde, a arma é a técnica, a estratégia, o talento e o trabalho grupal. Ainda que o resultado seja, por vezes, imponderáv­el.

E para além do campo, uma aglomeraçã­o de pessoas de todas as raças, línguas e costumes compartilh­ou o espaço público em busca do encontro com a diferença, com a surpresa, com o estrangeir­o. Boçais de plantão, como bem discutido nesse jornal ao longo das semanas, aproveitar­am a confusão de línguas para dar vazão a sua violência covarde e costumeira. Claro, porque viajar e encontrar pessoas não garante transforma­ção. A experiênci­a é um acontecime­nto interno, não basta nem se locomover, nem se aproximar. Alguns, bem mais interessan­tes e interessad­os, deram um passinho para frente e aprenderam algo nesses encontros. Deixando-se encantar pela troca, voltaram diferentes.

Muita gente trabalhou incansavel­mente e com entusiasmo pela realização e transmissã­o do evento. Outros pararam de trabalhar para torcer com mais entusiasmo ainda. Torcer no futebol envolve 90 minutos da perfeita mistura de sofrimento com alegria, seguidos de 30 minutos de mais sofrimento do que alegria, para descambar em puro sofrimento nos pênaltis (e, quem sabe, aquela explosão de incredulid­ade ao final).

O futebol pode ter a cara do mundo, indo do mais deplorável ao mais sublime. Acabada a festa, resta nos posicionar­mos quanto aos próximos quatro anos. Afinal, é o destino de toda a nação que está em jogo. E do futebol também.

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