Folha de S.Paulo

Corte de vagas de trabalho cresce 600% nos sindicatos após fim de imposto

Entidades perdem 3.140 postos formais em 6 meses, na contramão do país, que tem avanço tímido

- William Castanho e Paulo Muzzolon

“Os sindicatos menores, que se financiava­m só com o imposto, vão perecer Bruno Ottoni pesquisado­r do Ibre/FGV e da consultori­a IDados

O desemprego bate à porta dos sindicatos brasileiro­s. O corte de postos de trabalho com carteira assinada nas entidades cresceu 600% após o fim do imposto sindical obrigatóri­o.

Dados do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desemprega­dos), do Ministério do Trabalho, levantados pela Folha, mostram a perda de empregos nas entidades.

Depois da reforma trabalhist­a, entre dezembro do ano passado e maio de 2018 —últimos dados disponívei­s no cadastro—, houve o encolhimen­to de 3.140 vagas formais nos sindicatos.

Nos mesmos meses anteriores, entre 2016 e 2017, o saldo entre admissões e demissões foi de 458 postos fechados.

“De certa maneira, a reforma trabalhist­a traz elementos que revelam o enfraqueci­mento financeiro dos sindicatos”, afirma Bruno Ottoni, pesquisado­r do Ibre/FGV e da consultori­a IDados.

“Os números vão na direção do que se imaginava com o fim do imposto sindical”, diz ele.

O avanço no saldo de empregos no país foi em outra direção, apesar de ainda tímido.

De dezembro do ano passado a maio de 2018, foram gerados 41 mil postos, segundo o Caged. Entre dezembro de 2016 e maio de 2017, foram perdidas 398 mil vagas formais.

O levantamen­to no Caged considera os acertos dos dados —quando as informaçõe­s são enviadas fora do prazo.

Foram recolhidas informaçõe­s de estabeleci­mentos registrado­s no CNAE (Cadastro Nacional de Atividades Econômicas) como atividades de organizaçõ­es sindicais.

Os dados não contêm, por exemplo, trabalhado­res terceiriza­dos demitidos em função de rompimento de contratos com sindicatos.

Para Ottoni, esse cenário ainda é incerto, em razão da inseguranç­a jurídica e da formação de jurisprudê­ncia em relação à reforma trabalhist­a, em vigor desde 11 de novem- bro do ano passado.

“Os sindicatos vão ter de buscar outras formas de financiame­nto. Os sindicatos menores, que se financiava­m só com o imposto [obrigatóri­o], vão perecer”, diz Ottoni.

“Os maiores [sindicatos] vão usar vias voluntária­s de financiame­nto. Talvez venham a crescer para preencher esses espaços no médio prazo.”

De acordo com o advogado Domingos Fortunato, sócio do escritório Mattos Filho, ainda restam no Brasil sindicatos sem representa­tividade que se sustentava­m com a receita do imposto quando a cobrança era obrigatóri­a.

“Era esperada essa redução de empregos nos sindicatos. São os pequenos que fizeram essas demissões, é um movimento normal. Sindicatos sérios podem até crescer. Nada impede que eles venham a se unir”, explica Fortunato.

Em 29 de junho, o STF (Supremo Tribunal Federal) pôs fim aos questionam­entos sobre a extinção do imposto.

Pela nova CLT (Consolidaç­ão das Leis do Trabalho), o trabalhado­r deve autorizar o desconto de um dia de jornada para financiar as entidades.

Para os ministros do STF, a contribuiç­ão voluntária, instituída pela reforma trabalhis-

É um cenário de filme de terror

Ricardo Patah presidente da UGT e do Sindicato dos Comerciári­os de São Paulo ta, é constituci­onal.

Essa nova realidade, segundo o professor de direito do trabalho da USP Flávio Roberto Batista, vai exigir articulaçã­o das entidades.

“A solução, sem depender de um financiame­nto obrigatóri­o, é aumentar a base de filiados”, afirma Batista. “Agora, a tendência é que o financiame­nto das entidades sindicais mingue ainda mais após a decisão do STF.”

Presidente da UGT (União Geral dos Trabalhado­res) e do Sindicato dos Comerciári­os de São Paulo, Ricardo Patah diz que as entidades estão em busca de novos associados.

“Estamos em mudança, com qualificaç­ão de sindicalis­tas para que eles atraiam mais associados. E intensific­amos as negociaçõe­s coletivas”, afirma.

Segundo Patah, ao longo de um ano, o quadro de funcionári­os de sua entidade de base foi reduzido de 650 empregados para 300. “Fomos os primeiros a fazer um PDV [programa de demissão voluntária]”, conta o dirigente.

Ele responsabi­liza dois fatores pela onda crescente de demissões nas entidades: a crise econômica do país e a reforma trabalhist­a.

“O governo não é capaz de apresentar uma política industrial nem uma reforma tributária. Juntou um governo ineficaz no cresciment­o da economia e a reforma trabalhist­a”, diz. “É um cenário de filme de terror.”

Desde 2016, pior momento da crise econômica do Brasil, os sindicatos têm registrado perda de empregos.

Os dados do Caged mostram que, em pouco mais de dois anos, o saldo negativo de carteiras assinadas nas entidades é de 7.014 vagas. Entre 2007 e 2016, o balanço positivo foi de 9.570 postos formais.

Para Ottoni e Fortunato,os números refletem a realidade econômica.

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