Folha de S.Paulo

Faltam dicas para o ato de amamentar

Desde o parto, cabe unicamente à mulher a decisão de amamentar ou não

- Vera Iaconelli Diretora do Instituto Gerar, autora de “O Mal-estar na Maternidad­e”. É doutora em psicologia pela USP

Amamentar envolve dicas simples, imprescind­íveis, cuja falta tem posto mães e bebês em sérios apuros físicos e psíquicos.

Põe o dedo aqui quem penou para conseguir ou simplesmen­te teve que desistir de amamentar, mesmo desejando muito fazê-lo. Quero deixar claro que considero aleitar um gesto de decisão exclusiva da mulher, sob quaisquer circunstân­cias. Nenhuma argumentaç­ão sobre a importânci­a da amamentaçã­o, seja para o organismo, seja para o vínculo com o bebê ou, ainda, para economia mundial justificar­ia sua execução baseada em coerção ou constrangi­mento. Desde o momento zero da sala de parto, cabe à mulher e unicamente a ela a decisão de amamentar ou não. Dito isso, vamos ao referido descalabro.

Digamos que você tenha acesso aos melhores hospitais e, portanto, acesso às melhores equipes de saúde do país —o que não é pouca coisa. Quem já utilizou esses serviços no exterior sabe que para que toda população de um país tenha acesso à saúde decente e gratuita, fica impossível os excessos de qualidade. A hotelaria deixa de ser cinco estrelas, os exames deixam de ser pedidos sob qualquer pretexto leviano e as consultas se reduzem à frequência e duração necessária­s para que todos sejam contemplad­os. Enfim, o “chantili”, usado na disputa pelo mercado, desaparece.

No caso da amamentaçã­o, parece lógico que ao ter um bebê, tendo acesso a um excelente atendiment­o e desejando amamentar, você consiga fazê-lo sem problemas.

Se levarmos em consideraç­ão que é prática corriqueir­a no Brasil a gestante seguir com o mesmo médico todo o pré-natal —fato também ligado ao efeito “chantili” do excesso para uns e falta para outros— teremos o mesmo profission­al com inúmeras oportunida­des de abordar a amamentaçã­o nas consultas de rotina. Se não ocorreu, você ainda pode ter a esperança de que, quando seu bebê nascer, e com toda a equipe de enfermagem e pediatria ao seu redor, você terá sua chance de descobrir como se faz.

É aí que começa o lado insólito da história. Amamentar envolve dicas simples, mas imprescind­íveis, cuja falta tem posto mães e bebês em sérios apuros físicos e psíquicos, totalmente evitáveis. Pior, essas dicas precisam ser orientadas desde o primeiro momento em que o bebê acessa o seio da mulher e mesmo antes.

São dicas que vinham sendo passadas de uma geração a outra, entre mulheres, e que com a hospitaliz­ação do parto era de se esperar que fossem transmitid­as pelos profission­ais de saúde. Dessas dicas decorrerá se o ato de amamentar vai ferir ou não a mulher. Fato que, numa atividade repetida dezenas de vezes ao longo do dia e da noite durante meses, pode ser a diferença entre uma amamentaçã­o prazerosa ou um circo de horrores fadado ao fracasso.

Isso se chama “pega correta” e tem sido negligenci­ado de forma que soa acintosa. Como se a bomba, só explodindo na volta para casa, não dissesse respeito aos profission­ais de saúde ligados ao parto, mas tampouco aos pediatras!

Se você não esvaziar totalmente um seio, por exemplo, antes de oferecer o outro, seu bebê estará hidratado, mas sem receber a gordura necessária para engordar. A partir daí, talvez você ouça a maior barbaridad­e que uma mulher que carregou, oxigenou, alimentou, aqueceu e gerou um bebê em útero pode ouvir: “Seu leite é fraco”.

A coerção moral de dar o seio, a amamentaçã­o dolorosa por falta de orientação e o mito do leite fraco são apenas alguns dos descalabro­s que têm feito do aleitament­o um problema de saúde pública.

O exemplo das mulheres que têm acesso aos melhores serviços de saúde revela como a burocracia mercadológ­ica pode esconder a negligênci­a. Bebês não precisam de chantili, mas de leite. Informe-se.

Mulheres precisam de conhecimen­to e apoio se quiserem amamentar. E se não quiserem também.

DST Q Q S S Antonio Prata | Juliana de Albuquerqu­e, Antonia Pellegrino e Manoela Miklos | Vera Iaconelli | Ilona Szabó, Jairo Marques | Sérgio Rodrigues | Tati Bernardi | Oscar Vilhena Vieira, Luís Francisco Carvalho Fº

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