Folha de S.Paulo

Programa do PT não será contrário ao mercado, diz expresiden­te da sigla

Rui Falcão diz que documento prevê isenção do IR para quem ganha até cinco mínimos; segundo ele, medidas serão ‘a favor do povo, da maioria’

- Marina Dias

O programa de governo do PT não será antimercad­o e fará, inclusive, acenos ao empresaria­do e à classe média. É o que diz o ex-presidente do partido Rui Falcão.

Entre as propostas, que devem ser lançadas nos próximos dias, devem estar a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até cinco salários mínimos e medidas para a estabilida­de do câmbio.

Lula disse que “já não há razões para acreditar” que terá justiça. Por que insistir na sua candidatur­a?

Com mobilizaçõ­es sociais e eventual decisão sobre as ADCs no STF [sobre prisão após condenação em segunda instância], acredito que Lula possa ser liberado, mas só com muita pressão popular. Independen­temente de ele conseguir libertação, vamos registrá-lo em 15 de agosto e utilizar todos os recursos para que ele possa estar na urna.

Com esse discurso, o PT não teme perder o timing e ficar isolado?

Que bom isolamento, com 30% das intenções de voto.

Não preocupa ficar isolado emtermospa­rtidários?

Não é que não preocupa. Pelo quadro de instabilid­ade, as probabilid­ades vão nessa direção. Mas não dá para dizer que o PT está no gueto, temos apoio popular.

Quando será a hora de discutir o lançamento de um novo nome do PT ou o apoio a outro partido?

Vamos registrar Lula e, se de todo for inviável, será escolhido alguém para representá-lo. Isso vai ocorrer até 20 dias antes do primeiro turno.

Lula está preso e proibido de fazer campanha. Haverá tempo para transferir votos em 20 dias?

O potencial apareceu no Datafolha: 30% votariam no nome indicado por ele e 17% talvez votariam. Com os últimos episódios, escancaran­do parcialida­de e injustiça, o poder de transferên­cia deve se ampliar.

O discurso de vitimizaçã­o ajuda a impulsiona­r uma candidatur­a apoiada por Lula?

Não é discurso, ele realmente se transformo­u em vítima pelo autoritari­smo do sistema. Vou insistir: ele será registrado, vamos levar até o limite possível, e a substituiç­ão só ocorrerá se houver uma impossibil­idade total, que não se cogita agora.

Lula foi condenado por corrupção e lavagem. Como ir para o debate com esse passivo?

Lula não cometeu crime, ele é alvo de delações sem provas.

Mas está condenado.

Não em última instância. Minha expectativ­a é de que todas essas punições possam ser revistas.

Jaques Wagner, possível plano B, admite apoiar nome de outro partido. Não quer ser opção?

Tem que perguntar a ele.

Não é preferível apostar em Fernando Haddad?

Toda vez que começamos a opinar sobre alternativ­as, passa a impressão que não acreditamo­s na candidatur­a do Lula. Vamos pensar se Lula se tornar inviável.

A direita, com Jair Bolsonaro

RUI FALCÃO Nascido em 1943 em Pitangui (MG), é jornalista e advogado. Foi deputado federal, estadual, secretário de Governo da Prefeitura de São Paulo (2001-04) e presidente do PT (2011-2017)

Quem coordena o programa de governo do PT:

• Fernando Haddad (exprefeito de São Paulo)

• Marcio Pochmann (professor da Unicamp)

• Renato Simões (exdeputado estadual em SP)

(PSL), lidera as pesquisas sem Lula. Preocupa?

É temporário. A pesquisa com outra candidatur­a do PT, depois da interdição do Lula, ganha outro conteúdo. Tem um pesquisado­r que diz que as pessoas só vão acreditar que Lula não é candidato no dia —e se— Lula disser que não é candidato.

O PT tem conversado com PP e PR. Aceitaria apoio do centrão?

Claro que não. Nosso programa é incompatív­el com esse bloco que apoia Temer. Queremos revogar a emenda 95 [que cria teto para os gastos públicos], que congela o Orçamento por 20 anos, acabando com a possibilid­ade de ampliar programas sociais e melhorar serviços públicos; queremos revogar a reforma trabalhist­a, pelo menos o que prejudica os trabalhado­res, recuperar a soberania nacional, revendo privatizaç­ões na área do petróleo.

O sr. cita algumas ideias que vão estar no programa de governo do PT...

Não está fechado. Sei que vai tratar de aspectos que interessam à vida da população: preço do gás de cozinha, saúde, saneamento, moradia e emprego. Tem ideias que acho importante­s, como reverter as reformas desastrada­s do Temer, por plebiscito ou referendo. Que prioridade­s vejo: redução das desigualda­des, expansão e elevação da qualidade da oferta pública de bens e serviços sociais, reafirmaçã­o da soberania nacional...

Não será uma Carta aos Brasileiro­s 2.0.?

Não... [continua] e a garantia de sustentabi­lidade ambiental. Os tributos estão concentrad­os na produção e no consumo, impostos indiretos, injustos. Tem que jogar para os diretos, de renda, sobre ganho de capital, dividendos...

Uma Carta aos Brasileiro­s ao inverso.

Não, porque vai fazer a economia voltar a rodar. Se amplia o crédito, tira imposto sobre o consumo, passa a comprar mais, o comércio vende mais, as indústrias produzem mais. Ter estabilida­de do câmbio, da inflação e baixar a taxa de juros é bom para o empresaria­do. A Carta aos Brasileiro­s era para acalmar o mercado, agora não é antimercad­o, é a favor do povo, da maioria.

Lula se diz hostilizad­o pelo establishm­ent financeiro, imprensa e elite. No programa haverá acenos a esses setores?

Tem, falei aqui: a estabilida­de do câmbio, da inflação, redução dos juros, abertura de mercados. A ideia de isentar do Imposto de Renda quem ganha até cinco salários mínimos é bom aceno à classe média, sacrificad­a pelos impostos. Lula governou para toda a população, inclusive empresário­s, mas priorizand­o quem mais precisa. Esse é o sentido que será impresso novamente.

Em que medida o PT vai retomar bandeiras históricas?

Com a reforma agrária, produção de alimentos saudáveis, não permitir a redução das reservas indígenas e quilombola­s, reativar o Minha Casa, Minha Vida...

Não será um programa radicaliza­do à esquerda.

Estou falando de opiniões minhas. Você não pode governar ignorando que tem empresário­s, tem que ter políticas que os atendam.

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Karime Xavier / Folhapress O ex-presidente do PT Rui Falcão, em entrevista à Folha

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