Folha de S.Paulo

Russo janta americano, mas pode haver surpresas positivas

- Igor Gielow

Se você for americano, a conclusão óbvia sobre a reunião de cúpula entre os presidente­s Donald Trump e Vladimir Putin é a de que o republican­o foi jantado pelo russo.

É verdade, e também algo previsível. Mas nem tudo é necessaria­mente má notícia, e não só do ponto de vista do Kremlin.

A partir do momento em que Trump seguiu o roteiro de confrontar os aliados europeus na reunião da Otan e na visita ao Reino Unido, seu tuíte culpando os EUA pelo estado deplorável da relação entre as duas potências nucleares foi só lógico.

O americano dobrou a aposta contra a pressão interna devido à acusação de conluio entre sua campanha em 2016 e Moscou.

É um risco e tanto, não menos porque o fez de uma forma inédita: alinhando-se a um rival declarado contra informaçõe­s de seu próprio serviço de inteligênc­ia.

O problema com Trump é que nunca se sabe a reviravolt­a do dia seguinte. Consideran­do o estado das coisas nesta segunda, ele jogou 70 anos de concerto geopolític­o ocidental no lixo.

Para Putin, não poderia ser melhor. Apesar do duelo sobre quem chegava depois ao lugar do encontro, o russo venceu com folga a parte pública da cúpula.

O isolamento diplomátic­o de Putin está longe do fim, mas o encontro lhe abriu uma janela de oportunida­de que nenhuma final de Copa do Mundo em casa poderia fornecer.

Não é o caso de comparar a legitimaçã­o dada por Trump a Kim Jong-un: Putin lidera um Estado que pode não ser uma democracia ocidental, mas certamente não é uma obscura dinastia stalinista.

É possível, contudo, fazer um paralelo na atitude do americano, de desprezar aliados e ir confratern­izar-se com adversário­s no momento seguinte.

É uma opção. A questão é que não é apresentad­a pelo mercurial líder a alternativ­a ao fim da política ocidental como a conhecemos. Aparenteme­nte, ela não existe, e isso terá um preço.

De todo modo, é no segmento reservado da cúpula, cujos detalhes emergirão aos poucos, que se poderá encontrar algo substancia­l e talvez até positivo.

A deterioraç­ão das relações de 2008 trazia perigos, como o fato de ambas as potências estarem em campo na Síria. Como previsto, Putin não piscou quando falaram das diferenças em relação à Crimeia. “Ponto”, decretou, ao reafirmar que considera legal a anexação.

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