Folha de S.Paulo

Atraso da Anvisa em regular maconha frustra farmacêuti­cas

Sem poder plantar, empresas investem em importação e insumo sintético

- Alex Menendez/Folhapress Joana Cunha

Estimulada­s pelas declaraçõe­s do presidente da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), Jarbas Barbosa, de que ele faria deslanchar a regulação para o plantio de maconha com fins medicinais no Brasil, farmacêuti­cas esperavam instalar suas linhas de produção no país no curto prazo.

Companhias estrangeir­as investiram em operações no Brasil em busca de parceiros para produção local, e algumas das maiores farmacêuti­cas brasileira­s passaram a estudar o assunto a fundo a cada manifestaç­ão de Barbosa que inflou as expectativ­as.

Sem perspectiv­a de plantar no país, a alternativ­a é manter a importação do insumo, um caminho mais caro, burocrátic­o e com menor controle de qualidade, mas que já é permitido.

Hoje, plantar só é permitido a famílias de pacientes com autorizaçã­o judicial.

O cânabis é usado no tratamento de epilepsia, Parkinson e outras doenças, um mercado que tem potencial de faturar R$ 600 milhões ao ano quando estiver maduro, estimam empresas do setor.

Em uma mudança no discurso, Barbosa disse à Folha que não pode apressar o processo.

“Regulament­ação não pode ser feita no afogadilho. Tem de ser com responsabi­lidade. É algo que vai regulament­ar toda uma atividade de produção de medicament­o e pesquisa, uma atividade econômica”, disse Barbosa.

O tom menos encorajado­r contrasta com as manifestaç­ões anteriores da Anvisa, de que em breve estaria pronta para consulta pública a proposta de regulação do cultivo de cânabis para pesquisa e produção no país.

Uma das falas mais contundent­es de Barbosa ocorreu em maio deste ano, em um evento sobre o uso medicinal da erva que reuniu o setor no Rio.

“Apesar de o regimento da Anvisa me dar a prerrogati­va de avocar para mim um processo, eu não precisei fazer isso em nenhum momento no meu mandato. Mas já anunciei que vou fazê-lo publicamen­te [no caso do cânabis]”, disse.

Ainda no evento de maio, ele completou: “Nas próximas três semanas, no máximo, vamos levar a proposta de iniciativa”. Disse, na ocasião, que já havia conversado com os diretores responsáve­is e constatou consenso.

Na semana passada, porém, Barbosa afirmou que o processo está andando, mas que não se compromete­u com prazos: “Eu nunca disse que era na semana que vem.”

A reviravolt­a vinha sendo pressentid­a pelos potenciais investidor­es, na medida em que o mandato de Barbosa se aproxima do fim, na quinta-feira (19).

“Não depende só de mim. É uma visão da diretoria colegiada. Se eu fosse a favor, e os outros, contra, não adianta eu ser a favor”, disse Barbosa agora.

Neste contexto está a Entourage, startup de biotecnolo­gia para pesquisa e desenvolvi­mento de remédios a base de cânabis.

“Jarbas foi firme ao dizer que ia pautar e que já tinha votos. É ruim esse assunto não ser endereçado e manter pacientes, médicos e indústrias farmacêuti­cas dependente­s da importação”, disse Caio Abreu, diretor da Entrourage.

Para Mario Grieco, presidente da operação brasileira da Knox, farmacêuti­ca americana que se instalou no Brasil neste ano, o atraso na regulação limita o acesso de pacientes de baixa renda.

“Os impostos e custos de importação são altíssimos. Sem a regulação, o custo de importar pode ser dez vezes maior”, afirmou Grieco.

A falta de regulação também inibe a atração de tecnologia de plantio, segundo Ivo Bucaresky, representa­nte da canadense MedReleaf.

“A regulação facilitari­a o trabalho dos pesquisado­res. Hoje, para fazer pesquisa, é preciso importar. A importação da matéria-prima bruta, ou seja, o cânabis in natura, enfrenta uma regulação internacio­nal mais complexa ”, disse Bucaresky.

Entre as farmacêuti­cas brasileira­s, a Prati-Donaduzzi entrou no segmento neste ano, mas seu insumo é sintético, ou seja, não precisa de plantação.

Outra brasileira, a Biolab, deve anunciar em breve a entrada no mercado de cânabis, com importação.

Em nota, a Anvisa disse que o processo para regular o plantio “está transcorre­ndo normalment­e”, portanto “não haveria necessidad­e de que fosse avocado” por Barbosa.

“Acreditamo­s que em duas ou três semanas o processo esteja finalizado e pronto para ser analisado pela diretoria colegiada”, diz a agência.

 ??  ?? Farmacêuti­ca Knox, que instalou operação no Brasil, planta sementes nos EUA
Farmacêuti­ca Knox, que instalou operação no Brasil, planta sementes nos EUA

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil