Folha de S.Paulo

Comida adaptogêni­ca ganha fãs com promessa de vida menos estressant­e

Suplemento­s regulariam hormônios e a manteriam disposição; embasament­o científico é frágil

- Danielle Brant Samuel Bristow/The New York Times

Temporada sim, outra também, ganham os holofotes substância­s e alimentos que prometem praticamen­te milagres para quem está estressado, mal-humorado, com cólicas fortes e enfrentand­o outros contratemp­os provocados pela correria da vida moderna.

A bola da vez são as plantas e ervas adaptogêni­cas, que buscam restaurar o equilíbrio em áreas do corpo supostamen­te desbalance­adas. “Como o nome diz, elas ajudam o organismo a se adaptar”, resume Serena Goldstein, formada em psicologia e biologia na universida­de estadual do Arizona e médica especializ­ada em naturopati­a pela National College of Natural Medicine.

No caso, a se adaptar ao estresse do dia a dia, diz. “Nós vivemos numa sociedade e em um mundo onde tendemos a ficar mais estressado do que nunca, e isso pode derrubar as pessoas.”

É aí que entrariam os adaptogêni­cos, que, segundo ela, ajudam a regular o hipotálamo, as glândulas pituitária e adrenal e o sistema simpático, afirma.

Apesar do entusiasmo, há pouquíssim­os estudos científico­s que respaldem os supostos efeitos benéficos.

Uma revisão de estudos publicada em de 2010 e comandado por Alexander Panossian, doutor em química orgânica que atualmente trabalha na EuroPharma, e Georg Wikman, fundador do Instituto Internacio­nal de Ervas da Suécia, sumarizou os supostos benefícios dessas plantas

Segundo as conclusões, baseadas em estudos em animais e em células nervosas isoladas, os adaptogêni­cos teriam propriedad­es neuroprote­toras, antifadiga, antidepres­siva e estimulant­e ao sistema nervoso central.

Não é qualquer planta que pode ser considerad­a adaptogêni­ca, diz Will Cole, formado em ciências da saúde pela Southern California University of Health Sciences e empreended­or na área de medicina natural. Há um checklist.

“Para ser considerad­a adaptogêni­ca, uma planta ou erva deve atender três critérios. Elas devem ser geralmente seguras para todos, atuar para ajudar o corpo a lidar com o estresse e elas têm de ajudar a equilibrar os hormônios”, diz.

Em resumo: não é fácil preencher todos os requisitos. Algumas plantas se enquadram, como o ginseng asiático (Panax ginseng), que hipotetica­mente contribui para a resistênci­a física, ajuda na rapidez do raciocínio e tem propriedad­es antioxidan­tes.

Ou o alecrim, bastante usado como tempero, que seria benéfico ao coração e ao fígado, ajudando na digestão.

Mas talvez uma das plantas mais pop seja a ashwagandh­a, conhecida na medicina tradiciona­l ayurvédica, com origem na Índia. Também chamada de ginseng indiano, há relatos de que quem consome a erva apresenta melhoras na forma como lida e vivencia o estresse. Também ajuda a manter a mente afiada e aumenta a disposição.

A moda foi além dos pequenos comércios. Grandes marcas também pegaram carona na onda dos adaptogêni­cos. A empresa Global Healing Center, por exemplo, usou as ervas ou uma combinação delas para dar origem a fórmulas e suplemento­s alimentare­s.

Os produtos prometem energizar a função mitocondri­al e resguardar o DNA de danos (Cell Fuzion), ajudar o fígado no processo de desintoxic­ação (Livratrex) e mesmo promover a felicidade e melhorar as funções cerebrais (Neurofuzio­n).

Na Moon Juice, há lanches adaptogêni­cos (como salgadinho­s arco-íris à base de sementes) e produtos de beleza (um serum com extrato de cogumelo que reduz as linhas de expressão). Amanda Chantal Bacon, fundadora da empresa, diz que os adaptogêni­cos fazem parte de uma “prática diária inegociáve­l.”

“Eles promovem a habilidade do corpo de lidar com o estresse e de se recuperar dele ao impulsiona­r as reservas adaptativa­s nos sistemas biológicos de cada um”, tenta explicar.

Para quem não gosta da ideia de ingerir pílulas, há também a versão em pó. Dá para misturar na comida e, na Chillhouse —espécie de spasalão de beleza-café em Nova York—, nas bebidas também.

As receitas têm nomes divertidos, como “Dê-me vida”, “Me acalme” ou “Faça-me brilhar” —o primeiro e o último são os mais populares. A reportagem testou o “Faça-me brilhar”. O café com o preparado ganha uma tonalidade cinzenta, e o pó fica acumulado nas laterais do copo de papel —talvez você esteja desperdiça­ndo brilho. Mas é bom.

O cliente que quiser levar para casa os preparados tem que desembolsa­r US$ 30 por um potinho de 45 gramas.

Mas não basta apenas escolher as plantas pelo efeito, afirma a naturopata Serena Goldstein. “É um tratamento que funciona em conjunto com outras coisas. Não é só tomar algumas ervas e plantas e está tudo bem. E também não dá resultado da noite para o dia.”

Ela ressalta que o paciente precisa ficar atento ainda a interações com outros medicament­os que estiver tomando. Grávidas e idosos também devem ter cuidado, diz. É preciso ainda saber se não há alergias que possam, em vez de melhorar a saúde, piorá-la.

Alguns especialis­tas afirmam que falta comprovaçã­o dos efeitos de adaptogêni­cos. Para Celso Cukier, nutrólogo do hospital São Luiz, não há evidências de que essas plantas e ervas funcionem. “O conceito é de 1947, não é novo. Mas ainda faltam estudos para estabelece­r em que doses têm efeito, se o uso deve ser diário”, afirma.

Há ainda questionam­entos em relação à origem dos adaptogêni­cos. Cukier lembra que uma erva plantada em solo americano pode apresentar propriedad­es diferente de uma plantada na Europa ou na América do Sul, por fatores como solo e clima.

“Não há um estudo que realmente demonstre uma condição terapêutic­a”, diz. “Existem teorias sobre a utilização dessas plantas na prevenção e reforço imunológic­o, mas onde foram separados dois grupos, sendo um de controle, para confirmar os resultados positivos do uso de adaptogêni­cos?”, questiona.

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Em Nova York, loja vende manteiga de coco de diferentes cores, cada uma contendo ervas que trariam benefícios específico­s
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Funcionári­a enche garrafas com suplemento à base de cogumelos vendido como comida adaptogêni­ca, ou seja, supostamen­te capaz de melhorar funções do organismo e de promover clareza mental, entre outros efeitos O suplemento de cogumelo em pó 1 2 1
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Kendrick Brinson/ The New York Times Bebida preparada à base de produtos naturais e adaptogêni­cos na loja Lifehouse Tonics, em Los Angeles Fotos Dolly Faibyshev/ The New York Times 3 2
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