Em ‘Who Is America?’, criador de Borat volta a mostrar o ridículo americano
Série de Sacha Baron Cohen, que estreou domingo nos EUA, talvez tenha chegado tarde demais
TELEVISÃO Who Is America? ***** Sem previsão de estreia no Brasil; no ar nos EUA, aos domingos, no canal Showtime
los angeles Durante a primeira metade dos anos 2000, o comediante Sacha Baron Cohen percorreu os Estados Unidos como Borat, repórter racista e misógino do Cazaquistão. A ideia era trazer à tona os aspectos mais ridículos e problemáticos de uma nação governada por George W. Bush.
O britânico mantém as mesmas intenções ao retornar à TV americana com a controversa série “Who Is America?”, que estreou no domingo (15), no canal Showtime, depois de meses mantida em segredo. Ao personificar quatro personagens diferentes e entrevistar pessoas reais, ele escava o lado constrangedor de certos grupos políticos ou sociais.
A diferença é que os Estados Unidos de 2018, sob a tutela do governo de Donald Trump, não se preocupam mais em esconder suas idiossincrasias liberais e, acima de tudo, conservadoras.
Talvez por isso Baron Cohen não obtenha o sucesso criativo que teve há 12 anos: todos os dias, as redes sociais e veículos de comunicação expõem atitudes que eram acobertadas por serem ridículas ou simplesmente inumanas.
“Who Is America?” sofre com os primeiros personagens. Dr. Billy Wayne Ruddick Jr. é um comunicador de direita do site de “fake news” Truthbrary.org —uma sátira ao site de notícias de extrema direita Breitbart News— que entrevista o senador democrata Bernie Sanders. O resultado chega a ser inocente, com pouca graça.
O comediante pula para o grotesco com o ultraliberal Dr. Nira Cain-N’Degeocello, que apresenta seu estilo de vida esquisito para um casal de republicanos da Carolina do Norte, que termina saindo por cima no fim do quadro.
Já Rick Sherman, um ex-presidiário que deseja ser artista, apresenta obras de arte com fezes e sêmen para uma galerista na Califórnia e consegue que ela ceda os próprios pelos pubianos.
Mas o recurso do choque escatológico, usado de maneira equilibrada nas personificações de Borat ou do rapper Ali G, fica desproporcional e deslocado em “Who Is America?”, parecendo mais uma cena do seu último longa, “Irmão de Espião” (2016).
O episódio finalmente chega ao brilhantismo esperado na segunda metade da sua meia hora. É quando Baron Cohen assume o papel do coronel israelense Erran Morad, que viaja aos EUA para conseguir adeptos para sua campanha de armamento: “A NRA [Associação Nacional do Rifle] quer armar os professores nas escolas. Isso é insano! Precisamos armar os alunos”.
Morad encontra lobistas a favor da indústria do armamento e até faz um deles atuar em um vídeo para venda de armas com temas infantis.
Posando de defensor de ideias insanas para a maioria dos humanos, Sacha Baron Cohen atinge o tom certo no programa.
E choca ainda mais perto do fim, quando “Who Is America?” traz uma série de políticos americanos em vídeos apoiando a legalização de armas para crianças de três anos. Joe Wilson, representante da Carolina do Sul no Congresso, até discursa: “Nossos pais fundadores não colocaram um limite de idade na Segunda Emenda [que estabelece o porte de armas]”.
Obviamente, todos os envolvidos correram para se antecipar ao programa. Enquanto uns alegam terem sido enganados por Baron Cohen, outros dizem só terem lido o teleprompter. A ex-candidata a vice-presidente dos EUA Sarah Palin ainda não apareceu no programa, mas já se pronunciou: “Satisfeito agora, Sacha?”, questionou em um longo post no Facebook.
A questão não é se o ator britânico está satisfeito ou não. A dúvida é se essas revelações ainda causam algum dano à imagem de um político americano em um país tão dividido e engajado na crença na verdade dita apenas pelo seu lado da turba.
Talvez a série “Who Is America?” tenha chegado um pouco tarde demais, mas pelo menos faz rir um pouco da nossa desgraça.