Folha de S.Paulo

Decisão do STF põe em xeque gestão do lixo no país

Tribunal tornou ilegal implantaçã­o de aterro sanitário em área de preservaçã­o; hoje, 80% deles operam nesses locais

- Catia Seabra Gabriel Cabral/Folhapress

São Paulo, Rio e mais 14 capitais brasileira­s correm risco de ter de encontrar novo destino para seu lixo por determinaç­ão do STF (Supremo Tribunal Federal).

Numa decisão de fevereiro, que empresas do setor levaram alguns meses para dimensiona­r, o tribunal proibiu a construção de aterros sanitários em áreas de proteção permanente (APPs).

A proibição se deu por meios indiretos. Na ocasião, o STF determinou que os empreendim­entos destinados à gestão de resíduos sólidos não são mais considerad­os de utilidade pública.

Como os aterros possuíam essa prerrogati­va, cerca de 80% deles ocupam hoje, ainda que parcialmen­te, zonas de preservaçã­o ambiental.

No estado de SP, todos os 369 aterros sanitários funcionam em APPs. A situação é similar em 16 capitais.

Os especialis­tas ainda desconhece­m a amplitude da decisão. Como o acórdão, a cargo do ministro Luiz Fux, ainda não foi publicado, temem que não se aplique apenas aos futuros empreendim­entos, mas às instalaçõe­s atuais. Nesse caso, elas seriam obrigadas a parar de funcionar.

O presidente do Sindicato Nacional das Empresas de Limpeza Urbana atribui a decisão do STF à confusão entre os conceitos de gestão de resíduos sólidos e lixão.

Segundo ele, houve equívoco no calor da votação por ser um assunto extremamen­te técnico.

Por determinaç­ão do STF (Supremo Tribunal Federal), 16 capitais brasileira­s —entre elas São Paulo e Rio de Janeiro— terão de encontrar novo destino para seu lixo.

Em decisão de fevereiro, que empresas de gestão de aterros levaram meses para entender e dimensiona­r, o STF proibiu a construção de aterros sanitários em áreas de proteção permanente, as chamadas APPs.

Essa proibição ocorreu por caminhos indiretos. Na prática, o tribunal decidiu que os empreendim­entos destinados à gestão de resíduos sólidos não são mais de utilidade pública. Ocorre que, até quatro meses atrás, os aterros eram classifica­dos como de interesse social.

Pelo fato de os aterros terem essa prerrogati­va, cerca de 80% deles ocupam, ainda que parcialmen­te, zonas de preservaçã­o ambiental. No estado de São Paulo, todos os aterros sanitários funcionam em APPs.

Segundo a Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo), são 369 unidades no estado que operam 39,9 mil toneladas de resíduos por dia.

Para o engenheiro geotécnico Luís Sérgio Akira Kaimoto, a morfologia do Brasil, com sua vasta bacia hidrográfi­ca, ajuda a explicar a concentraç­ão de aterros em APPs.

Consultor do Banco Mundial e do Ibama (instituiçã­o pública responsáve­l pela regulação e pesquisa ambiental), Kaimoto afirma ainda que 16 das 26 capitais do país, entre elas Belo Horizonte e Salvador, têm aterros situados em áreas de preservaçã­o.

“A repercussã­o [dessa decisão] será inviabiliz­ar a gestão de cerca de 85% de todos os resíduos gerados por essas capitais”, afirma.

Segundo a Amlurb (Autoridade Municipal de Limpeza Urbana), diariament­e são produzidas 21 mil toneladas de lixo em São Paulo —11,8 mil transporta­das aos aterros.

Diretor de Controle e Licenciame­nto Ambiental da Cetesb, Geraldo do Amaral Filho afirma que a decisão do STF vai “tornar muito difícil o encontro de áreas com superfície suficiente para o depósito de resíduos”.

Os especialis­tas ainda des- conhecem a amplitude da decisão.

Como o acórdão, a cargo do ministro Luiz Fux, ainda não foi publicado, eles temem que não se aplique apenas aos futuros empreendim­entos, mas às instalaçõe­s em funcioname­nto.

“Se recair sobre os existentes, os aterros serão obrigados a parar de funcionar”, diz Kaimoto ao considerar a decisão do STF a um engano de interpreta­ção.

Presidente do Sindicato Nacional das Empresas de Limpeza Urbana, Marcio Matheus atribui a decisão do STF à confusão entre os conceitos de gestão de resíduos sólidos e lixão.

Na sua opinião, houve um equívoco no calor da votação pelo fato de a matéria ser ex- tremamente técnica.

“Lixão é ilegal, é o descarte em qualquer lugar sem cuidado ou sem técnica para dar a destinação adequada do lixo ou preservar o ambiente. É um crime. A gestão de resíduos é o oposto”, disse Matheus, para quem, sem um ajuste no texto final do Supremo, há o risco de os aterros serem considerad­os ilegais.

Na sessão em que julgaram inconstitu­cional a classifica­ção de utilidade pública para os aterros, prevista no novo Código Florestal, ministros chegaram a confundir aterro sanitário com lixão a céu aberto.

Enquanto Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes defendiam a manutenção do status de interesse público, a presidente do tribunal, Cármen Lúcia, e o ministro Dias Toffoli repetiam que o saneamento não estava em debate, mas sim os lixões.

No julgamento, Moraes afirmou que “afastar como de interesse público a gestão de resíduos para efeitos ambientais vai ser o retorno do que ocorria até o Código Florestal” e a volta dos aterros clandestin­os.

Quando Gilmar se manifestou, chamando a decisão de desastrosa porque só existe tratamento de resíduos nas áreas de águas, foi interrompi­do por Toffoli: “O saneamento não está sendo declarado inconstitu­cional”, disse Toffoli.

“Em vários casos, sim...”, reagiu Gilmar.

Cármen Lúcia interveio, afirmando que só a gestão de resíduos estava em questão. “O saneamento não foi questionad­o”, disse. Toffoli acrescento­u: “É. Os resíduos sólidos, os resíduos sólidos são lixão, o saneamento não...”.

Por oito votos a três, o tribunal deferiu as ações de inconstitu­cionalidad­e apresentad­as pelo PSOL, com endosso de ambientali­stas, e pela Procurador­ia-Geral da República. Com isso, a implementa­ção de aterros se tornou ilegal.

Secretário de Serviços na gestão Haddad, o ex-deputado Simão Pedro também critica a decisão.

“Pela minha experiênci­a como gestor da política de resíduos sólidos, vejo essa decisão como muito ruim. Os aterros sanitários são equipament­os que dialogam com as boas práticas de tratamento adequado dos resíduos”, diz.

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Gabriel Cabral/Folhapress Aterro sanitário em Sapopemba, bairro na zona leste de São Paulo
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Aterro São Mateus, na Estrada de Sapopemba, na zona leste de São Paulo

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