Decisão do STF põe em xeque gestão do lixo no país
Tribunal tornou ilegal implantação de aterro sanitário em área de preservação; hoje, 80% deles operam nesses locais
São Paulo, Rio e mais 14 capitais brasileiras correm risco de ter de encontrar novo destino para seu lixo por determinação do STF (Supremo Tribunal Federal).
Numa decisão de fevereiro, que empresas do setor levaram alguns meses para dimensionar, o tribunal proibiu a construção de aterros sanitários em áreas de proteção permanente (APPs).
A proibição se deu por meios indiretos. Na ocasião, o STF determinou que os empreendimentos destinados à gestão de resíduos sólidos não são mais considerados de utilidade pública.
Como os aterros possuíam essa prerrogativa, cerca de 80% deles ocupam hoje, ainda que parcialmente, zonas de preservação ambiental.
No estado de SP, todos os 369 aterros sanitários funcionam em APPs. A situação é similar em 16 capitais.
Os especialistas ainda desconhecem a amplitude da decisão. Como o acórdão, a cargo do ministro Luiz Fux, ainda não foi publicado, temem que não se aplique apenas aos futuros empreendimentos, mas às instalações atuais. Nesse caso, elas seriam obrigadas a parar de funcionar.
O presidente do Sindicato Nacional das Empresas de Limpeza Urbana atribui a decisão do STF à confusão entre os conceitos de gestão de resíduos sólidos e lixão.
Segundo ele, houve equívoco no calor da votação por ser um assunto extremamente técnico.
Por determinação do STF (Supremo Tribunal Federal), 16 capitais brasileiras —entre elas São Paulo e Rio de Janeiro— terão de encontrar novo destino para seu lixo.
Em decisão de fevereiro, que empresas de gestão de aterros levaram meses para entender e dimensionar, o STF proibiu a construção de aterros sanitários em áreas de proteção permanente, as chamadas APPs.
Essa proibição ocorreu por caminhos indiretos. Na prática, o tribunal decidiu que os empreendimentos destinados à gestão de resíduos sólidos não são mais de utilidade pública. Ocorre que, até quatro meses atrás, os aterros eram classificados como de interesse social.
Pelo fato de os aterros terem essa prerrogativa, cerca de 80% deles ocupam, ainda que parcialmente, zonas de preservação ambiental. No estado de São Paulo, todos os aterros sanitários funcionam em APPs.
Segundo a Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo), são 369 unidades no estado que operam 39,9 mil toneladas de resíduos por dia.
Para o engenheiro geotécnico Luís Sérgio Akira Kaimoto, a morfologia do Brasil, com sua vasta bacia hidrográfica, ajuda a explicar a concentração de aterros em APPs.
Consultor do Banco Mundial e do Ibama (instituição pública responsável pela regulação e pesquisa ambiental), Kaimoto afirma ainda que 16 das 26 capitais do país, entre elas Belo Horizonte e Salvador, têm aterros situados em áreas de preservação.
“A repercussão [dessa decisão] será inviabilizar a gestão de cerca de 85% de todos os resíduos gerados por essas capitais”, afirma.
Segundo a Amlurb (Autoridade Municipal de Limpeza Urbana), diariamente são produzidas 21 mil toneladas de lixo em São Paulo —11,8 mil transportadas aos aterros.
Diretor de Controle e Licenciamento Ambiental da Cetesb, Geraldo do Amaral Filho afirma que a decisão do STF vai “tornar muito difícil o encontro de áreas com superfície suficiente para o depósito de resíduos”.
Os especialistas ainda des- conhecem a amplitude da decisão.
Como o acórdão, a cargo do ministro Luiz Fux, ainda não foi publicado, eles temem que não se aplique apenas aos futuros empreendimentos, mas às instalações em funcionamento.
“Se recair sobre os existentes, os aterros serão obrigados a parar de funcionar”, diz Kaimoto ao considerar a decisão do STF a um engano de interpretação.
Presidente do Sindicato Nacional das Empresas de Limpeza Urbana, Marcio Matheus atribui a decisão do STF à confusão entre os conceitos de gestão de resíduos sólidos e lixão.
Na sua opinião, houve um equívoco no calor da votação pelo fato de a matéria ser ex- tremamente técnica.
“Lixão é ilegal, é o descarte em qualquer lugar sem cuidado ou sem técnica para dar a destinação adequada do lixo ou preservar o ambiente. É um crime. A gestão de resíduos é o oposto”, disse Matheus, para quem, sem um ajuste no texto final do Supremo, há o risco de os aterros serem considerados ilegais.
Na sessão em que julgaram inconstitucional a classificação de utilidade pública para os aterros, prevista no novo Código Florestal, ministros chegaram a confundir aterro sanitário com lixão a céu aberto.
Enquanto Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes defendiam a manutenção do status de interesse público, a presidente do tribunal, Cármen Lúcia, e o ministro Dias Toffoli repetiam que o saneamento não estava em debate, mas sim os lixões.
No julgamento, Moraes afirmou que “afastar como de interesse público a gestão de resíduos para efeitos ambientais vai ser o retorno do que ocorria até o Código Florestal” e a volta dos aterros clandestinos.
Quando Gilmar se manifestou, chamando a decisão de desastrosa porque só existe tratamento de resíduos nas áreas de águas, foi interrompido por Toffoli: “O saneamento não está sendo declarado inconstitucional”, disse Toffoli.
“Em vários casos, sim...”, reagiu Gilmar.
Cármen Lúcia interveio, afirmando que só a gestão de resíduos estava em questão. “O saneamento não foi questionado”, disse. Toffoli acrescentou: “É. Os resíduos sólidos, os resíduos sólidos são lixão, o saneamento não...”.
Por oito votos a três, o tribunal deferiu as ações de inconstitucionalidade apresentadas pelo PSOL, com endosso de ambientalistas, e pela Procuradoria-Geral da República. Com isso, a implementação de aterros se tornou ilegal.
Secretário de Serviços na gestão Haddad, o ex-deputado Simão Pedro também critica a decisão.
“Pela minha experiência como gestor da política de resíduos sólidos, vejo essa decisão como muito ruim. Os aterros sanitários são equipamentos que dialogam com as boas práticas de tratamento adequado dos resíduos”, diz.