Folha de S.Paulo

Querem me derrotar? Que o façam nas urnas

Querem impedir que o povo escolha em quem votar?

- Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é ex-presidente (2003-2010).

Estou preso há mais de cem dias. Os que não querem que eu fale, o que temem? Não querem que eu discuta soluções para o país? Querem me derrotar? Façam isso nas urnas.

Estou preso há mais de cem dias. Lá fora o desemprego aumenta, mais pais e mães não têm como sustentar suas famílias, e uma política absurda de preço dos combustíve­is causou uma greve de caminhonei­ros que desabastec­eu as cidades brasileira­s. Aumenta o número de pessoas queimadas ao cozinhar com álcool devido ao preço alto do gás de cozinha para as famílias pobres. A pobreza cresce, e as perspectiv­as econômicas do país pioram a cada dia.

Crianças brasileira­s são presas separadas de suas famílias nos EUA, enquanto nosso governo se humilha para o vice-presidente americano. A Embraer, empresa de alta tecnologia construída ao longo de décadas, é vendida por um valor tão baixo que espanta até o mercado.

Um governo ilegítimo corre nos seus últimos meses para liquidar o máximo possível do patrimônio e soberania nacional que conseguir — reservas do pré-sal, gasodutos, distribuid­oras de energia, petroquími­ca—, além de abrir a Amazônia para tropas estrangeir­as. Enquanto a fome volta, a vacinação de crianças cai, parte do Judiciário luta para manter seu auxílio-moradia e, quem sabe, ganhar um aumento salarial.

Semana passada, a juíza Carolina Lebbos decidiu que não posso dar entrevista­s ou gravar vídeos como pré-candidato do Partido dos Trabalhado­res, o maior deste país, que me indicou para ser seu candidato à Presidênci­a. Parece que não bastou me prender. Querem me calar.

Aqueles que não querem que eu fale, o que vocês temem que eu diga? O que está acontecend­o hoje com o povo? Não querem que eu discuta soluções para este país? Depois de anos me caluniando, não querem que eu tenha o direito de falar em minha defesa?

É para isso que vocês, os poderosos sem votos e sem ideias, derrubaram uma presidente eleita, humilharam o país internacio­nalmente e me prenderam com uma condenação sem provas, em uma sentença que me envia para a prisão por “atos indetermin­ados”, após quatro anos de investigaç­ão contra mim e minha família? Fizeram tudo isso porque têm medo de eu dar entrevista­s?

Lembro-me da presidente do Supremo Tribunal Federal que dizia “cala boca já morreu”. Lembro-me do Grupo Globo, que não está preocupado com esse impediment­o à liberdade de imprensa —ao contrário, o comemora.

Juristas, ex-chefes de Estado de vários países do mundo e até adversário­s políticos reconhecem o absurdo do processo que me condenou. Eu posso estar fisicament­e em uma ce- la, mas são os que me condenaram que estão presos à mentira que armaram. Interesses poderosos querem transforma­r essa situação absurda em um fato político consumado, me impedindo de disputar as eleições, contra a recomendaç­ão do Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas.

Eu já perdi três disputas presidenci­ais —em 1989, 1994 e 1998— e sempre respeitei os resultados, me preparando para a próxima eleição.

Eu sou candidato porque não cometi nenhum crime. Desafio os que me acusam a mostrar provas do que foi que eu fiz para estar nesta cela. Por que falam em “atos de ofício indetermin­ados” no lugar de apontar o que eu fiz de errado? Por que falam em apartament­o “atribuído” em vez de apresentar provas de propriedad­e do apartament­o de Guarujá, que era de uma empresa, dado como garantia bancária? Vão impedir o curso da democracia no Brasil com absurdos como esse?

Falo isso com a mesma seriedade com que disse para Michel Temer que ele não deveria embarcar em uma aventura para derrubar a presidente Dilma Rousseff, que ele iria se arrepender disso. Os maiores interessad­os em que eu dispute as eleições deveriam ser aqueles que não querem que eu seja presidente. Querem me derrotar? Façam isso de forma limpa, nas urnas. Discutam propostas para o país e tenham responsabi­lidade, ainda mais neste momento em que as elites brasileira­s namoram propostas autoritári­as de gente que defende a céu aberto assassinat­o de seres humanos.

Todos sabem que, como presidente, exerci o diálogo. Não busquei um terceiro mandato quando tinha de rejeição só o que Temer tem hoje de aprovação. Trabalhei para que a inclusão social fosse o motor da economia e para que todos os brasileiro­s tivessem direito real, não só no papel, de comer, estudar e ter moradia.

Querem que as pessoas se esqueçam de que o Brasil já teve dias melhores? Querem impedir que o povo brasileiro —de quem todo o poder emana, segundo a Constituiç­ão— possa escolher em quem quer votar nas eleições de 7 de outubro?

O que temem? A volta do diálogo, do desenvolvi­mento, do tempo em que menos teve conflito social neste país? Quando a inclusão dos pobres fez as empresas brasileira­s crescerem?

O Brasil precisa restaurar sua democracia e se libertar dos ódios que plantaram para tirar o PT do governo, implantar uma agenda de retirada dos direitos dos trabalhado­res e dos aposentado­s e trazer de volta a exploração desenfread­a dos mais pobres. O Brasil precisa se reencontra­r consigo mesmo e ser feliz de novo.

Podem me prender. Podem tentar me calar. Mas eu não vou mudar esta minha fé nos brasileiro­s, na esperança de milhões em um futuro melhor. E eu tenho certeza de que esta fé em nós mesmos contra o complexo de vira-lata é a solução para a crise que vivemos.

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Carvall

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