Folha de S.Paulo

Agruras cambiais

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Começam a surgir os primeiros impactos da forte alta das cotações do dólar nos últimos meses. Longe de abrir um caminho rápido para o cresciment­o econômico, como acredita uma ala dos economista­s nacionais, a desvaloriz­ação cambial tão somente beneficia alguns e prejudica outros.

Na indústria, essa dicotomia aparece mais claramente. Setores que utilizam parcela relevante de insumos importados em seus produtos tendem a ter perda de rentabilid­ade, caso não consigam repassar o aumento de custos ao consumidor.

É o que se vê no momento. Com a debilidade da demanda, qualquer tentativa de elevar preços pode derrubar as vendas e resultar em perdas ainda maiores. Assim acontece, por exemplo, em segmentos como automotivo, químico e de alimentos, altamente sensíveis às variações da moeda americana.

Estudo da equipe econômica do Bradesco, citado em reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, sugere que os repasses têm sido insuficien­tes para recompor os lucros das empresas. Até agora, a alta do dólar, próxima a 18% desde o início do ano, tem afetado proporcion­almente mais o atacado do que os índices ao consumidor.

Também enfrentam mais dificuldad­es os ramos industriai­s que precisam comprar maquinário importado. É bem documentad­a a relação negativa entre a variação cambial e os investimen­tos, pelo menos a curto prazo —na medida em que o país não dispõe de capacidade suficiente em áreas de maior sofisticaç­ão tecnológic­a.

Há, por outro lado, setores que se beneficiam. Exportador­es com custos majoritari­amente denominado­s em reais, como frigorífic­os, ou com produtos cotados diretament­e em moeda forte, como mineração, papel e celulose, tendem a conseguir aumento dos lucros com maior facilidade.

Cumpre considerar ainda os impactos financeiro­s. Dado que o conjunto das empresas tem mais dívidas do que créditos em moeda estrangeir­a —das subsidiári­as de multinacio­nais às brasileira­s que se aproveitar­am dos baixos juros internacio­nais nos últimos anos—, a desvaloriz­ação do real resulta em perdas patrimonia­is.

Esse problema já foi muito maior, mas ainda se mostra presente. Por razões históricas, a alta do dólar no Brasil tende a ser vista como sintoma de doença econômica.

A questão a destacar, portanto, é que a desvaloriz­ação cambial, por si só, não leva ao cresciment­o da renda nacional. Mais essenciais —e difíceis— são as iniciativa­s capazes de reduzir custos internos e elevar a produtivid­ade.

Leia-se, em particular, maior abertura e integração comercial, para absorver tecnologia, ampliar escala e acirrar a competição.

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