China tem roteiro para ordem global em transição, e mundo precisa traçar o seu
O contraste entre a desordem no Ocidente, exposta na cúpula da Otan e na reunião do G7 no mês passado, e a crescente autoconfiança da China no palco internacional está ficando mais claro a cada dia que passa.
No mês passado, o Partido Comunista da China (PC) concluiu sua Conferência Central sobre Trabalho Relacionado a Questões Exteriores, a segunda desse tipo desde que Xi Jinping se tornou o governante inconteste do país, em 2012.
Esses encontros não são ocasiões de rotina. São a expressão mais clara de como a liderança enxerga o lugar ocupado pela China no mundo, mas também revelam muito ao mundo sobre a China.
A última conferência desse tipo, em 2014, assinalou o enterro da máxima de Deng Xiaoping “oculte sua força, aguarde pela oportunidade melhor, nunca assuma a liderança” e inaugurou uma nova era de ativismo internacional.
Essa mudança refletiu em parte a centralização operada por Xi, a conclusão da liderança chinesa de que o poderio dos EUA está em declínio relativo e sua visão de que a China se tornou um ator econômico global indispensável.
Desde 2014, a China ampliou e consolidou sua posição militar no Mar do Sul da China. E atraiu a adesão da maior parte do mundo desenvol- vido para seu primeiro banco de desenvolvimento multilateral a não aderir ao sistema de Bretton Woods, o Banco Asiático de Investimentos em Infraestrutura.
O país também lançou iniciativas diplomáticas que ultrapassam sua esfera imediata de interesse estratégico na Ásia Oriental, além de participar ativamente de iniciativas como o acordo nuclear iraniano de 2015. Em março, criou sua própria agência de desenvolvimento internacional.
Receando que o partido tivesse se alheado das principais discussões políticas do país, Xi reafirmou o controle do PC sobre as instituições do Estado e lhe deu precedência na hora de traçar as políticas públicas tecnocráticas.
Xi está determinado a contestar a tendência da história ocidental, a desmentir o “fim da história” anunciado por Francis Fukuyama, que culminaria com o triunfo geral do capitalismo democrático liberal, e a preservar um Estado leninista para o longo prazo. Conhecida como “pensamento de Xi Jinping”, essa abordagem hoje está presente em toda a estrutura da política externa chinesa.
A Conferência Central pediu especificamente que as instituições e o pessoal de política externa abracem a agenda de Xi. Há um elemento ideológico forte na aparente frustração de Xi com a reação glacial do Ministério do Exterior às inovações em políticas públicas.
Os diplomatas chineses foram incentivados a se lembrar de que são em primeiro lugar “quadros partidários”, o que sugere que Xi vai incentivar o aparato de política externa a um ativismo maior para implementar plenamente sua visão global emergente.
A maior mudança a emergir da conferência diz respeito à governança global. Em 2014, Xi aludiu a uma disputa iminente em torno da estrutura futura da ordem internacional.
Embora ele não tenha se aprofundado sobre isso, muito trabalho foi dedicado des- de então à definição de três conceitos inter-relacionados: “guoji zhixu” (a ordem internacional), “guoji xitong” (o sistema internacional) e “quanqiu zhili” (governança global).
Falando de maneira geral, “ordem internacional”, em chinês, faz referência a uma combinação das Nações Unidas, das instituições de Bretton Woods, do G20 e de outras instituições multilaterais (que a China aceita), além do sistema de alianças globais dos EUA (que ela não aceita).
O termo “sistema internacional” tende a fazer referência à primeira metade dessa ordem internacional: a teia complexa de instituições multilaterais que operam sob as leis de tratados internacionais e que procuram reger o espaço comum global com base no princípio da soberania compartilhada. E “governança global” denota a performance real do “sistema internacional” assim definido.
O que é novo e espantoso nas declarações de Xi é seu chamado para que a China agora “lidere a reforma do sistema de governança global com os conceitos de correção e justiça”. É de longe a declaração mais direta feita até agora das intenções chinesas.
O mundo faria bem em preparar-se para uma nova onda de ativismo chinês na política internacional. Xi lembrou à elite chinesa de política internacional que o rumo futuro da sua política externa, incluindo a reforma da governança global, precisa ser movido por esses interesses nacionais fundamentais.
Nesse contexto, a China também busca um sistema internacional mais “multipolar” —um código para designar um mundo em que os EUA e o Ocidente tenham um papel substancialmente reduzido.
O desafio que se coloca à comunidade internacional é definir que tipo de ordem global queremos. O que querem as instituições existentes, como a União Europeia, a Associação de Nações do Sudeste Asiático ou a União Africana, para o sistema internacional do futuro? O que exatamente querem os EUA, com ou sem Trump? E como vamos preservar coletivamente os valores globais encarnados na Carta da ONU, nas instituições de Bretton Woods e na Declaração Universal dos Direitos do Homem?
O futuro da ordem global se encontra em transição. A China tem um roteiro claro para o futuro. É hora de o resto da comunidade internacional traçar um roteiro próprio.
Xi está determinado a contestar a tendência da história ocidental, a desmentir o ‘fim da história’ de Francis Fukuyama e a preservar um Estado leninista